A política brasileira recente, marcada por um duelo previsível, pode estar dando sinais de fadiga. Novos atores tem alterado de forma significativa o jogo de poder, algo que tem preocupado os mais experientes. Se o ímpeto renovador for mais forte que as manobras da classe política, podemos estar diante de um embate inédito de segundo turno, que confrontará duas visões realmente diferentes de país.
Na história recente do Brasil, a esquerda soube manobrar as táticas e o discurso melhor do que seus adversários. Se posicionou na frente ideológica, dominando a narrativa. Aos poucos atingiu a hegemonia durante a Nova República, dando as cartas desde a redemocratização.
Desde 1985 vivemos sob a hegemonia de MDB, PSDB e PT, com um hiato de pouco mais de dois anos durante o governo Collor, predominantemente de corte liberal – que sucumbiu ao sistema tentando reinventá-lo. O establishment político brasileiro se alternou entre a esquerda moderada, representada pela social democracia tucana e uma esquerda de viés sindical e patrimonialista, validada pelo petismo. Entre os dois, o MDB, que após a cisão que deu origem ao PSDB, posicionou-se como partido de centro que manobra nos bastidores do presidencialismo de coalizão servindo tanto a tucanos, quanto a petistas.
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Diante da consolidação da Nova República, o país se viu diante de sucessivas eleições onde a escolha se dava somente com candidatos de vetor ideológico esquerdista, reeditando por várias vezes um pseudo confronto entre moderados e sindicalistas, ou melhor traduzindo, entre tucanos e petistas. O resultado foi a hegemonia da esquerda variando entre seus dois polos.
Nas eleições deste ano, pela primeira vez em quase três décadas, chega ao páreo com chance de vitória um nome que pode representar uma ruptura no sistema hegemônico em curso desde a redemocratização. A perspectiva de rompimento do mecanismo clássico de poder fez com que a classe política se aglutinasse em torno de um candidato com viés moderado, enquanto o lado sindical se articula nos bastidores. A esperança de ambos é a reedição dos últimos duelos presidenciais como forma de realizar a manutenção destes atores e seus apoiadores no palco político.
Mas falta combinar com o eleitor. A certeza de que a reação contra o establishment será contida perde força a cada pesquisa. Enquanto isso, a certeza de voto na perspectiva de renovação representada por Bolsonaro, que promete ruptura com a estruturas tradicionais de poder, se consolida. Do outro lado vemos tucanos e petistas buscando reeditar mais duelo. Neste briga, apesar do esforço do PSDB, o PT saiu na frente e mostra muito mais fôlego para se classificar para o segundo turno.
Pela primeira vez em quase 30 anos, é possível que o eleitor brasileiro seja confrontado na rodada final com duas propostas realmente antagônicas de poder, mudando a configuração morna e previsível dos embates presidenciais mais recentes.
Fonte: “O Tempo”, 13/08/2018