A decisão de transferir o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Banco Central, ontem anunciada pelo governo, não faz sentido. As funções do órgão não se coadunam com a missão do BC, que é a de assegurar a estabilidade da moeda e do sistema financeiro, ao tempo em que cuida de contribuir para o crescimento da economia e do emprego.
O Coaf tem similares mundo afora. Sua instituição, aqui e no exterior, foi consequência da Convenção da ONU, realizada em Viena (1988) com o objetivo de estabelecer instituições de controle da lavagem de dinheiro. Inicialmente voltada para combater o tráfico de drogas, as normas se alargaram para enfrentar também o terrorismo.
Os países signatários, inclusive o Brasil, se comprometeram a criar órgãos públicos de inteligência financeira. A respectiva legislação obrigou o fornecimento, a esse órgão, de informações sobre movimentações financeiras realizadas no sistema bancário, acima de um certo valor. Estão obrigados também a fornecer informações os cartórios de imóveis, bem como as empresas de comercialização de joias e metais preciosos e de outros bens e serviços que possam servir para a lavagem de dinheiro.
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Normalmente, esses órgãos estão vinculados a ministérios, usualmente o das Finanças. O Banco Central não é, diante de tudo isso, a instituição governamental mais apropriada para assumir as funções do Coaf.
No passado, o BC se incumbiu da execução de responsabilidades que não lhe diziam respeito, como a de financiar a agricultura, as indústrias de beneficiamento de produtos rurais e as exportações. A ele cabia ainda a gestão da dívida pública interna e externa, e o lançamento de títulos do Tesouro nos mercados interno e internacional. Tais funções foram transferidas ao Ministério da Fazenda entre 1986 e 1987.
As mudanças institucionais que modificaram a estrutura do BC contribuíram decisivamente para que ele se amoldasse ao padrão dos bancos centrais em todo o mundo. No governo FHC, foi criado o Comitê de Política Monetária, pelo qual se institucionalizou o processo de decisão sobre a taxa de juros (Selic). Mais recentemente, o BC passou a integrar o Conselho do Banco de Compensações Internacionais, uma espécie de banco central dos bancos centrais. Por tudo isso, o BC se tornou um dos mais bem reputados bancos centrais do mundo. Em 2017, seu presidente, Ilan Goldfajn, foi eleito o banqueiro central do mundo.
Transferir o Coaf ao BC é atribuir a este último funções estranhas à sua missão, o que pode prejudicar o exercício das atividades de ambas as organizações. Além disso, o Coaf é estruturado em carreiras distintas das do BC. Sua absorção criará muitos problemas de gestão de pessoal. Nenhum país signatário da Convenção de Viena chegou a tanto.
Fonte: “Veja Online”, 10/08/2019