Mesmo quando a brutal recessão se for, a situação das contas públicas será tal, que não haverá como bancar a explosiva previdência pública nos orçamentos de entes que são sujeitos a limites apertados de endividamento e não emitem moeda. Refiro-me a estados e municípios.
Isso se dá porque a despesa pública em geral tem crescido sistematicamente acima do PIB, e a elevada fatia abocanhada pelos todos poderosos “donos do orçamento”, expressão que cunhei para designar segmentos que detêm participações percentuais fixas ou crescentes das receitas globais, previstas às vezes em leis ou “no grito”, não deixa muito espaço para os dirigentes máximos cuidarem de tudo o mais, incluindo previdência, e, especificamente nos estados, da importantíssima área de segurança pública.
Refiro-me às áreas de saúde, educação, poderes autônomos (Judiciário, Legislativo, MP, Tribunal de Contas e Defensoria Pública), além de itens protegidos por outras vinculações de receita em adição a educação e saúde, ou aqueles cujo pagamento é diretamente controlado pela União, como o serviço da dívida.
Nesses termos, nenhum regime previdenciário se sustentará, se não houver a decisão de equacioná-lo. Tanto assim que governos recentes introduziram os artigos 40 e 249 na Constituição, que mandam, primeiro, equacionar (isto é, promover, a longo prazo, o encontro dos gastos com as receitas dos regimes próprios dos servidores), dizendo como isso deve ser feito. E, segundo, preveem o aporte de ativos públicos para ajudar no pagamento dessa conta, além de estabelecer fundos que podem ser privados, para essa tarefa toda.
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No entanto, talvez por receio de mexer na casa de marimbondo dos “donos do poder”, mas em claro desrespeito ao que a Constituição mandou fazer, a maioria dos governos limita-se a pura e simplesmente cobrir a expressiva e generalizada “insuficiência financeira” dos regimes próprios respectivos, em fundos financeiros criados para esse fim, ou sentar no meio-fio e chorar… A rigor, ninguém conseguiu adotar o procedimento correto até agora (com exceção, ainda no plano de proposta, da que foi enviada recentemente pela Prefeitura de São Paulo à respectiva câmara de vereadores).
Para piorar, e como ninguém poderia prever, explodiu a brutal recessão que vem assolando o país desde 2015, jogando gasolina na fogueira da crise estrutural latente, e que, por azar dos atuais dirigentes estaduais, deverá se estender exatamente sobre os anos de seus mandatos. De uma hora para outra, desabaram as receitas, e, por consequência, explodiram os deficits orçamentários no curto prazo, tornando o equacionamento da previdência ainda mais urgente. A urgência se deve à possibilidade, numa situação em que a União apoia pouco os estados, que se abriria para se cobrir deficits do momento presente com sobras futuras de caixa, dentro de regimes equacionados atuarialmente, mediante operações de securitização (ou seja, antecipação) de receitas futuras. Sem isso, ficam atrasos volumosos de pagamentos para os próximos mandatos, e os atuais dirigentes serão punidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
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Cabe, assim, projetar o deficit atuarial por vários anos, no seio de um fundo criado para esse fim, aproveitando, inclusive estruturas parciais existentes. Depois, aportar ativos e estruturar a eliminação desse deficit, inclusive prevendo a transferência de recursos que acaso tendam a sobrar no futuro para momentos anteriores em que predominem insuficiências financeiras (ou seja, via operações de securitização ou antecipação de recursos recebíveis à frente). E partir imediatamente para a implementação dessa tarefa.
De maneira geral, o “saldamento” do passivo atuarial dos entes públicos acima mencionado envolve o aporte de ativos e contribuições suplementares — dos empregados e patronais — nos limites do possível, além da receita da compensação previdenciária, de economias por ajustes administrativos, e dos efeitos de uma eventual reforma de regras sobre a projeção de gastos. Só que uma visão comum entre colegas e especialistas em previdência é que, deixando o aporte de ativos para o final, dado tudo o mais sob hipóteses razoáveis, não há como juntar ativos de forma tal a zerar o passivo atuarial dos entes de maior peso. Ou seja, essa providência ajudaria mas não resolveria o problema. No entanto, conforme tem afirmado Leonardo Rolim, que se tem dedicado há muitos anos ao assunto, isso é possível, sim, bastando trabalhar com casos concretos e testar. Mas como há o temor da insuficiência de ativos para o fechamento, dever-se-ia submeter uma emenda constitucional vinculando à Previdência a parcela requerida da receita de natureza tributária total dos estados para fechar a conta. Isso explicitaria o custo que a sociedade teria de pagar pela parte ainda não equacionada do problema, motivando, dependendo do tamanho desse buraco, a elaboração de novas medidas de ajuste.
Fonte: “Correio Braziliense”, 17/04/2018