Os preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha têm um efeito sobre a população difícil de entender e quase impossível de explicar. Nenhum outro bem tem essa mesma influência e apelo. Não temos notícias de uma mobilização nesta intensidade contra aumentos do pão, do feijão, dos remédios ou dos planos de saúde, estes, sim, fundamentais para a população.
E não é só no Brasil. Desde o ano passado temos visto o conflito social deflagrado na França pelos “Coletes Amarelos”, que têm caminhoneiros na linha de frente do protesto. O estopim para a manifestação foi o aumento no preço do diesel no país, causado pela equiparação do seu imposto ao da gasolina, em razão de uma política ambiental de redução de emissões.
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E o que causa toda esta revolta? No caso brasileiro, uma explicação está na relação entre a nossa sociedade e a Petrobrás. O monopólio legal da empresa, que durou 44 anos e ainda causa reflexos no setor, deixou no imaginário nacional a sensação de que a Petrobrás deveria atender aos desejos e sonhos de todos, ideia simbolizada pelo slogan O Petróleo é Nosso. Desde o início dessa campanha, em 1948, a Petrobrás se confunde com a psique da Pátria, com uma mentalidade de “ame-a ou deixe-a”. Quem fala mal da Petrobrás não é brasileiro, e sim um vendilhão da Pátria. Pode-se até torcer contra a seleção brasileira, mas nunca contra a Petrobrás.
Ao longo do tempo, a empresa passou a financiar diversas atividades, visando a conquistar simpatia e apoio dos diversos segmentos a sociedade brasileira. Foram alocados recursos para patrocinar vôlei, futebol, festas juninas, cinema, teatro e até salva-vidas nas praias da zona sul do Rio de Janeiro, transformando a Petrobrás na verdadeira Campeã Nacional.
No início do governo Bolsonaro, que foi eleito como um defensor do livre-mercado e da autonomia na gestão da Petrobrás, verifica-se que mais uma vez prevalece a velha prática de intervir nos preços, desta vez explicada por uma possível greve de caminhoneiros. Parece que não conseguiremos nunca nos livrar deste intervencionismo, que tanto estrago já provocou na Petrobrás e no Brasil. Será que estamos eternamente condenados a essa prática, recorrente em diferentes governos e levada ao limite no primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff?
É hora de ousar e inovar, criando um fundo de estabilização dos preços para evitar que a volatilidade da cotação do petróleo e do câmbio atinja diretamente os consumidores. A primeira fonte de receita seria o excedente de royalties. Esse montante seria calculado a partir da diferença entre o que foi provisionado no Orçamento da União, que prevê valores para o barril de petróleo e o câmbio, e o realizado na prática. Quando as cotações do petróleo e do câmbio superarem as expectativas, haverá um aumento na arrecadação do fundo, compensando a elevação no preço dos combustíveis.
Outra cifra que poderia ser incluída é a parcela de dividendos da Petrobrás a que a União tem direito como acionista majoritária. Dessa forma, a União e toda a sociedade brasileira passariam a ser sócias do sucesso da empresa. A última parcela seria composta pelo dinheiro recuperado da sonegação dos combustíveis. Com isso, estaríamos criando uma solução estrutural para acabar de vez com o intervencionismo no setor.
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A ideia de um fundo para estabilização de preços já foi implementada com sucesso por vizinhos nossos. Entre 1985 e 2006, o Chile, grande exportador de cobre, adotou o Fundo de Estabilização do Cobre, que utilizava recursos acumulados no momento de preços altos para estabilizar o mercado nos períodos de queda.
O uso do fundo para minimizar a volatilidade dos preços garantiria a segurança regulatória e jurídica necessária para privatizar as refinarias, e mesmo a BR Distribuidora, e com isso trazer competição ao setor.
Intervenções políticas visando a atender a interesses específicos provocam impactos no longo prazo, com prejuízos ao setor e à Petrobrás, o que resulta em perdas para a União e, consequentemente, para toda a sociedade. Precisamos nos livrar de slogans ultrapassados e entender que “o petróleo é nosso; a Petrobrás, não”.
Fonte: “Estadão”, 20/04/2019