Samuel Pessôa, para variar, publicou, no domingo (15), mais uma excelente coluna (sempre começo a leitura dominical da “Folha” por suas colunas e as de Marcos Lisboa), sobre a necessidade do ajuste fiscal, concluindo que, independentemente de quem seja eleito neste ano, ele virá.
Seu argumento é simples e direto. Caso a próxima administração não ponha as contas públicas em ordem, enfrentará sérias dificuldades na economia: a dívida pública continuará crescendo mais rápido que o PIB, levando a uma situação em que o Banco Central não mais será capaz de manter a inflação controlada.
Nesse cenário, não só a inflação acelerará mas também o desemprego permanecerá elevado, combinação que eliminará quaisquer chances de reeleição em 2022.
Assim, conclui, “os incentivos da política conspiram para que o próximo (ou a próxima) presidente empregue todos os instrumentos ao seu alcance para ajustar a política fiscal”.
Não tenho nenhum reparo a fazer ao raciocínio econômico do Samuel: se não arrumarmos a casa, teremos um sério desarranjo ainda no mandato do eleito em 2018. Por outro lado, não tenho tanta certeza quanto à alta probabilidade (ia escrever “inevitabilidade”, mas não foi isso que ele afirmou) de que algum ajuste, mesmo de baixa qualidade, nos espera.
Da forma como vejo o problema, não se trata apenas do incentivo ao ajuste, mesmo dando de barato que o ocupante da cadeira a partir de janeiro do ano que vem compartilhe da mesma visão que eu e o Samuel temos sobre a dimensão fiscal (é sempre bom lembrar que não falta quem se oponha ao óbvio); o ponto central da história, no meu entendimento, está intimamente ligado ao mandato que emergirá das urnas em outubro.
É essencial, ainda mais em cenário de um Congresso ainda fragmentado e muito semelhante ao atual (que acabou de aprovar um conjunto de medidas econômicas sem nenhum sentido), que a (o) presidente obtenha da população um claro mandato popular a favor de reformas no campo fiscal, envolvendo, entre outras coisas, mudanças profundas nas regras de aposentadorias, bem como redução substancial das vinculações orçamentárias. Sem isso, a margem de manobra do governo federal seguirá limitada a menos de 10% de seus gastos, insuficiente para recolocar a dívida numa trajetória sustentável.
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Todavia, para obter o mandato reformista, esses temas não poderão ser omitidos da campanha, como fez Dilma Rousseff em 2014, sob pena de reprodução da instabilidade política que marcou seu segundo mandato. Será difícil, se não impossível, explicar à população mais um estelionato eleitoral sem perda substancial de seu apoio.
O governo Dilma era aprovado por mais de metade da população em dezembro de 2014; em março, 78% dos entrevistados pelo Ibope o desaprovavam (pautas-bomba, como a que acabamos de testemunhar, não se criam no vácuo, mas resultam da impopularidade da liderança do Executivo).
Se estiver correto, será então necessário que o eleitorado decida ungir alguém que prometa sangue, suor e lágrimas, e não aqueles que prometem o paraíso terrestre sem nenhum esforço. Pode me chamar de pessimista; algo, contudo, me diz que se trata de um cenário muito pouco provável.
É a essência da tragédia: há um caminho virtuoso a seguir, mas, de alguma forma, não conseguimos fazê-lo.
Torço muito (mesmo!) para o Samuel estar certo; não creio, porém, que seja o caso desta vez.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 18/07/2018