Após a recessão de 2014/2016, a economia brasileira retomou a trajetória de crescimento. Depois de crescer 1,1% em 2017, a atividade decepcionou em 2018 e no início de 2019, quando recuou – 0,2% em relação ao trimestre anterior. O que aconteceu?
Em 2018/2019, a economia foi atingida por uma sequência de choques negativos. Desvalorização cambial, aumento dos preços dos combustíveis, da energia elétrica e dos alimentos, greve de caminhoneiros, aumento das taxas de juros nos EUA, guerra comercial entre EUA e China, entre outros. Apesar disso, a economia continuou crescendo e a inflação em queda. O Brasil foi um dos poucos países emergentes que não aumentaram a taxa de juros em 2018.
Comparando 2018/19 com o passado recente e com economias que tradicionalmente se comportavam como a nossa, o contraste é notável. Em 2002, a eleição de Luíz Inácio Lula da Silva gerou desvalorização cambial e a taxa de inflação atingiu 18% ao ano. A Selic chegou a 27% ao ano.
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O slogan “eu sou você amanhã” era utilizado para caracterizar o comportamento das economias do Brasil e da Argentina. Desta vez, enquanto o Brasil cresceu 1,0% com inflação de 3,5% ao ano, a Argentina entrou em recessão (- 3,0%), a inflação atingiu 40% e os juros 60% ao ano. Por que a diferença?
Porque o Brasil implementou um conjunto de reformas que mudou o funcionamento da economia. Em especial, a dívida pública é hoje denominada em reais e não em dólares, criou-se um teto para o crescimento do gasto público, diminuindo a incerteza quanto à solvência do País, trocou-se a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa de Longo Prazo (TLP), eliminando os subsídios do BNDES, fez-se uma reforma trabalhista e liberalizou-se a terceirização, que reduziram a indexação dos salários e o Banco Central ganhou credibilidade. O resultado é uma economia mais resiliente.
E o crescimento? Apesar dos choques, a economia não entrou em recessão. No final de 2018, as expectativas foram infladas pelo resultado das eleições. O resultado do primeiro trimestre mostra que algo deu errado.
A economia mundial está desacelerando. China, Europa, Argentina e os EUA ou estão desacelerando ou já estão em recessão (Argentina).
A decisão de abandonar o chamado “presidencialismo de coalizão” gerou ruídos e disputas entre o Executivo, o Legislativo, a imprensa e as redes sociais, incertezas quanto à aprovação das reformas e retração dos investimentos.
Após seis anos de déficits primários e a dívida pública chegando a 78% do PIB, o investimento público não pode assumir o protagonismo.
Finalmente, os analistas (eu inclusive) subestimaram a importância do rescaldo negativo das políticas dos anos 2007/2015. Neste período, o crédito subsidiado do BNDES incentivou a compra de 300 mil caminhões, a Petrobrás se endividou para construir quatro refinarias e comprar sondas para o pré-sal, criou-se uma empresa cujo objetivo era intermediar a relação entre a Petrobrás e os estaleiros que, por sua vez, se endividaram para construir as sondas, entre outros projetos mirabolantes.
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Os caminhões não têm carga para transportar, a Petrobrás abandonou as refinarias, cancelou a compra das sondas e, como se endividou em excesso, está desinvestindo. Os estaleiros (que chegaram a empregar 70 mil pessoas, hoje empregam 2 mil) faliram, e as grandes empreiteiras se envolveram em esquemas de corrupção na Petrobrás e entraram em recuperação judicial. Má alocação de recursos, destruição de capital e redução da capacidade de investimento.
Este o diagnóstico. O remédio: rejeitar atalhos e poções mágicas e persistir com as reformas. A Nova Previdência para tornar sustentável o teto do gasto, tributária para simplificar os impostos, Orçamento Impositivo para racionalizar o orçamento, abertura da economia para aumentar a produtividade, melhorar regulações para dar mais segurança jurídica aos investidores em infraestrutura, autonomia do BC para reforçar a credibilidade, e muita educação!
Fonte: “Estadão”, 08/06/2019