A intervenção federal no Rio de Janeiro foi mais uma manifestação da perspicácia política das lideranças do governo. Com uma tacada conseguiram tirar o monopólio da agenda de segurança pública de um importante concorrente, dar sinal de força a aliados infiéis e colocar a oposição na desconfortável situação de criticar uma medida com apelo popular.
A decisão indica que a cúpula do governo mudou o foco. Nenhuma novidade. Políticos experientes calculam o tempo todo o custo-benefício de suas escolhas, e a agenda de reformas econômicas perde pontos em anos eleitorais em favor de agendas de cunho mais político.
Isso não significa que nada mais será aprovado este ano no Congresso. Há muito empenho dos ministérios e do Banco Central e, em alguns casos, de congressistas para aprovar reformas estruturais. O calendário eleitoral é, no entanto, um fator limitante.
Leia mais:
Leandro Narloch: Seria possível privatizar a polícia?
José Nêumanne: Intervenção meia-boca
Maílson da Nóbrega: Não existe Plano Real para Temer
Importante registrar, porém, o mérito do governo de ter encaminhado uma lista relevante de reformas. Molda-se a agenda política e o próximo presidente não irá partir do zero.
O impacto político e eleitoral da intervenção vai depender do seu sucesso. Mesmo que os avanços sejam tímidos em termos de indicadores de violência, a percepção de melhora da segurança pela sociedade poderá ter consequências políticas.
Improvisos à parte, há chances de sucesso dessa empreitada, caso o escopo seja bem definido e as expectativas bem administradas. Há um enorme déficit de policiais nas ruas, de forma que o sensível reforço no patrulhamento fará diferença. Além disso, o interventor, general Walter Braga Netto, tem boa reputação e experiência de ação no Rio.
O escopo da operação ainda não está claro. Tampouco o diagnóstico sobre o problema de segurança é consensual. Parece, porém, haver maior consenso quanto à necessidade de identificar e afastar policiais corruptos e de isolar líderes de quadrilhas nos presídios.
Os riscos são elevados, pela própria limitação da operação militar e pela provável reação de policiais corruptos e de criminosos dentro e fora dos presídios. São fatores a serem levados em conta.
É crucial também considerar os custos envolvidos, pois os recursos fiscais são escassos. A sinalização é de que o Tesouro Nacional vai arcar com os custos. Ou seja, o Brasil todo vai, mais uma vez, pagar pela irresponsabilidade fiscal e os equívocos das políticas públicas no Rio.
O descontentamento dos demais Estados cresce, sendo que alguns sofrerão impacto negativo pela intervenção, conforme os criminosos procurarem outro abrigo.
É verdade que a União falha na defesa de fronteiras e na ausência de um plano nacional de segurança, implicando peso elevado aos entes estaduais. Mas o peso é para todos. No Nordeste, os números da violência são até piores, ainda que em termos absolutos o quadro do Rio seja muito mais grave, prejudicando o orçamento público, a economia e a imagem do País no exterior.
Além disso, a intervenção poderá abrir precedente perigoso, ao estimular os demais Estados a fazerem o mesmo.
Seria muito importante, portanto, que o Rio arcasse com o custo da intervenção federal. Não sendo factível, pela falta de recursos do Estado, os custos adicionais deveriam, ao menos, ser compartilhados.
Há outras consequências econômicas. O governo criou uma armadilha, pois o Congresso não pode votar medidas constitucionais durante a intervenção. Quase a totalidade das despesas obrigatórias, que praticamente comprometem todo o Orçamento federal, é regida pela Constituição e suas emendas, assim como a regra de ouro. Não há pois como fazer ajuste fiscal, nem como cumprir a regra de ouro com a intervenção. Mais uma razão para se evitar outras adiante.
A intervenção poderá ser positiva do ponto de vista político para as lideranças do governo. Que seja também efetivamente bem-sucedida, até porque o impacto econômico é grande.
Fonte: “Estadão”, 22/02/2018