Concorde-se ou não com o resultado, goste-se ou não do governo, não há como não admirar a habilidade política com que ele gerenciou as expectativas do “mercado” desde a crise criada pelas gravações da conversa do presidente Temer com o controlador da JBS.
Fica agora confirmado que esse episódio sepultou as chances de aprovar a reforma da previdência neste governo. Mas, ao não entregar os pontos e manter a reforma no noticiário, o governo conseguiu administrar a economia até que a retomada da atividade e a proximidade das eleições anulassem o impacto da não reforma. Basta ver a reação dos mercados no último par de semanas: a bolsa subiu, o risco país não se mexeu e o real se apreciou.
Não quero com isso insinuar que o governo não quisesse aprovar a reforma da previdência. Eu acredito que sim e que ele se esforçou para tal. Mas o genial foi ter um Plano B que funcionasse tão bem, apesar de tão previsível. O governo agora tenta repetir a estratégia com a chamada Agenda 15, com 15 projetos de reforma infraconstitucional, 12 dos quais já em andamento no Congresso.
Os projetos são na sua maioria meritórios e sua aprovação trará benefícios importantes para o país. Isso viria por meio de um aumento da segurança jurídica, com a reforma das regras de distrato, a duplicata eletrônica e a nova lei das agências reguladoras; uma maior eficiência econômica, como resultado da reforma do PIS/Cofins, do cadastro positivo e da privatização da Eletrobras; e a melhor gestão da política macroeconômica, via a criação dos depósitos voluntários no Banco Central, a reoneração da folha de pagamentos e a extinção do Fundo Soberano.
Ainda que os projetos sejam meritórios, eu entendo que a chance de serem aprovados é pequena. Isso por duas razões, uma política, outra econômica.
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A intervenção do governo federal na segurança pública do Rio de Janeiro, do meu ponto de vista tecnicamente positiva, alterou completamente a lógica da política neste primeiro semestre. Ela aumentou o cacife do presidente nas eleições de outubro, esvaziando a plataforma de um dos líderes das pesquisas eleitorais, antecipou a campanha eleitoral, e tirou a atenção da pauta do Congresso, até então dominante.
Assim, ainda que a Agenda 15 não tenha a mesma carga de impopularidade da reforma da previdência, nem precise, para ser aprovada, de maiorias do tamanho necessário para emendas à Constituição, podendo em princípio passar sem muito alarde no Congresso, eu acredito que ela simplesmente não vai receber a necessária atenção de deputados e senadores. Basta ver que os 12 projetos que já estão no Congresso por lá circulam há bastante tempo. E para a frente o foco dos congressistas se moveu: para junto do eleitorado, para as negociações partidárias etc. Subsidiariamente, vai entrar na equação de muitos políticos a preocupação de aprovarem medidas que fortaleçam o próprio Temer, que, ou se candidata, ou será muito influente na eleição.
A segunda razão é que devemos ter este ano uma incomum combinação de fatores, que levarão a economia a ter ótimo desempenho, reduzindo a pressão dos atores privados pela aprovação de reformas. Refiro-me aqui, por exemplo, ao ambiente externo muito favorável aos emergentes: preços de alimentos bem comportados, aceleração do crescimento global, farta liquidez internacional. A tendência é que a expansão fiscal esperada na Europa, com o novo governo alemão, e nos EUA, por conta da reforma tributária, reforcem essa tendência. Na América do Sul, isso vai reforçar a recuperação cíclica em andamento, sustentada pelo afrouxamento monetário iniciado ano passado.
No Brasil, a atividade econômica vai acelerar, mas sem pressão inflacionária, devido à inércia, à ociosidade na economia e a um ciclo de chuvas benigno, que limitará a alta dos preços de alimentos e energia. O emprego deve crescer forte, tendo em 2018 a maior alta em dez anos. O impacto dessa retomada sobre as contas públicas será muito positivo: com a alta do crédito, do consumo, do emprego formal, da produção industrial e das importações, as receitas tributárias devem subir com força e o governo não deve ter dificuldade de cumprir a meta de déficit primário. Junto com os juros baixos, isso deve moderar a alta da dívida pública.
O resultado é que a economia deve ocupar um papel secundário no debate eleitoral. Os grandes temas prometem ser a segurança pública, a corrupção, o combate aos privilégios e os ódios usuais dos populistas de direita e de esquerda. A maioria dos políticos vai evitar temas como a reforma da previdência e a Agenda 15. A única exceção talvez seja, mais uma vez, a privatização. O desafio de ajustar as contas públicas, de forma a cumprir a regra do teto de gastos (EC 95) e a “regra de ouro”, vai ficar para depois das eleições.
A pergunta que me faço há algum tempo é se a procrastinação na adoção de reformas se estenderá a 2019, quando a recuperação cíclica deve estar a todo vapor e a aparência de que os problemas foram resolvidos pode enganar muita gente. Tomara que não.
Fonte: “Valor Econômico”, 02/03/2018