Têm sido correntes entre os candidatos críticas à emenda que estabeleceu que o gasto primário da União não pode, por dez anos a se iniciarem em 2017, crescer a velocidade superior à alta da inflação.
Considera-se que, se o gasto suplantar o teto constitucional estabelecido, a emenda terá fracassado.
Esse entendimento está errado. A força da emenda constitucional que estabelece um limite ao crescimento do gasto primário vem da elevadíssima probabilidade de o teto ser rompido, caso não sejam feitas reformas importantes nas regras que determinam o crescimento da despesa obrigatória. Se não houvesse possibilidade de rompimento, a emenda não seria necessária.
Explico-me: a função da chamada emenda do teto é levar a uma profunda discussão do Orçamento com a redução gradual da despesa primária (em percentual do PIB) para que o país consiga fazer o ajuste fiscal.
Adicionalmente, a própria emenda estabelece regras de ajuste compulsório da despesa pública caso o gasto público ultrapasse o limite.
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Nesse caso, não será possível aumentar salários de servidores públicos, elevar o salário mínimo real, contratar novos servidores além do necessário para repor os que se aposentam, renovar ou ampliar programas de isenção de impostos (como atualizar a tabela do Imposto de Renda ou elevar o nível para enquadramento de uma empresa no regime tributário especial do Simples), criar despesas obrigatórias etc.
Estamos no meio de fortíssimo conflito distributivo. A dívida pública de mais de 70% do PIB e a carga tributária de 33% do PIB são elevadas para um mercado emergente. Por outro lado, tem sido muito difícil aprovar no Congresso medidas que reduzam o gasto público, como a reforma da Previdência. Também tem sido muito difícil aprovar no Congresso medidas que elevem a carga tributária.
O equilíbrio desse jogo, se não for resolvido com as reformas necessárias para o cumprimento da emenda do teto dos gastos, será retornarmos ao abismo inflacionário dos anos 1980 e da primeira metade dos anos 1990.
O diagnóstico que produziu a emenda constitucional é explicitar o conflito distributivo antes que ele se transforme em inflação. É uma muleta para facilitar uma solução civilizada.
Como sempre afirmo, pior do que inflação, como solução para o conflito distributivo, somente guerra civil.
Nossa experiência é abundante em demonstrar que inflação no longo prazo impede o crescimento econômico e atinge desproporcionalmente os mais pobres.
Não há futuro com inflação: os pobres perdem, e a economia não cresce.
Uma possível flexibilização da emenda do teto seria excluir do limite alguns investimentos em logística em que a taxa de retorno fosse muito elevada a curto prazo —em razão de seus efeitos sobre o crescimento—, como ocorreu com o PPI (Programa-Piloto de Investimentos) em relação ao acordo de dívida do Brasil com o FMI nos anos 2000.
A emenda do teto é a âncora que temos para que o conflito distributivo brasileiro seja tratado antes que se transforme em inflação. Sem o teto e sem um forte aumento da carga tributária, teríamos de aceitar a volta da inflação. Argentina e Venezuela aceitaram.
Qualquer crítica ao teto precisa entender a sua natureza. As propostas de substitui-lo ou alterá-lo têm de se preocupar em saber se o que será colocado no lugar atende aos verdadeiros objetivos do teto.
Nunca é demais lembrar, ajuste fiscal é sempre corte de despesa e/ou aumento de receita (aumento de carga tributária).
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 24/06/2018