Acompanhando as redes sociais, chamou-me a atenção o número de críticas de leigos, sem base em dados, sobre as estratégias adotadas pelos especialistas encarregados de enfrentar a propagação da Covid-19. É natural que, dada a discordância entre médicos e virologistas no início da doença, na China, nós nos tivéssemos sentido inseguros e achássemos que a ciência poderia não ter condições de nos fornecer respostas adequadas.
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Com a polarização instalada aqui e em parte do mundo, houve certa captura do tema por visões simplificadas e extremas da política e chegou-se quase a imaginar uma terapêutica de “direita” e outra de “esquerda” para a pandemia. Para piorar, alguns grupos religiosos optaram por lidar com a questão nos moldes do personagem Paneloux, vigário da fictícia cidade de Orã no livro “A Peste”, de Albert Camus, que, no início, apresentou a epidemia como um castigo dos céus frente à iniquidade de seus habitantes.
Em tempos de negacionismo científico, nada menos surpreendente! Se a ciência não me convém, rejeito seus achados ou construo teorias conspiratórias. Se ficarmos discutindo se a origem do vírus é chinesa ou americana, ou se há uma estratégia da direita ou da esquerda para nos imobilizar, não preciso seguir orientações que não me convêm.
Pessoas informadas e sensatas tendem a não cair nessa armadilha quando se trata de saúde, mas isso nem sempre ocorre quando o tema é educação. Afinal, como passaram por bancos escolares e o ensino lhes parece mais uma arte do que algo que possa se basear em ciência, julgam que ser professor não seria exatamente uma profissão com procedimentos rigorosos e definição mais clara do que é boa prática.
Mas, como bem elucida o livro “Preparando Professores para um Mundo em Transformação”, de Linda Darling-Hammond, recém-traduzido para o português, países com bons sistemas educacionais construíram, com base em ciência, referenciais claros do que é uma boa prática docente e mostraram que há abordagens que funcionam melhor do que outras. Mais do que isso; que elas podem e devem ser ensinadas nas universidades, na formação inicial dos professores.
Além disso, assim como na epidemiologia, há avanços em outros domínios da ciência. Aprendemos muito nos últimos anos sobre como o cérebro armazena e recupera informações, adquire fluência na leitura ou em uma língua estrangeira ou como a motivação para persistir em situações desafiadoras pode ser ensinada. Desconsiderar esses achados por não serem semelhantes à forma como fomos ensinados em tempos pretéritos equivaleria a pensar que operações de coração deveriam ser feitas como eram nos anos 1950!
Fonte: “Folha de São Paulo”, 27/3/2020