O título é o de um comercial de vodka, em que um cidadão ao pedir sua bebida se via no dia seguinte impedindo que ele ficasse de ressaca substituindo-a por outra da marca do anúncio. O mote era: “Eu sou você amanhã”. A mensagem era olhar para o futuro para tomar decisões corretas no presente.
Foi um sucesso e foi adotado por economistas para denominar paralelos entre Argentina e Brasil, por conta de eventos que aconteciam em sequência entre os dois: hiperinflação, crises e moratórias. Obviamente, ocorreram com matizes diferentes.
Os dois países são muito próximos, são “Hermanos”. Estão integrados em vários planos, até territorialmente, têm 1.263 km de fronteiras. O fluxo de argentinos ao Brasil é cinco vezes maior do que o do segundo visitante estrangeiro. Partem mais vôos desde São Paulo para Buenos Aires do que para qualquer outra cidade no exterior. A exceção é o futebol em que a rivalidade é fratricida.
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São nações que têm muito em comum e se complementam. Foram colonizadas e proclamaram a independência em datas próximas. As estruturas de suas economias evoluíram em paralelo, com um destaque para o agro até meados do século passado e depois um processo de industrialização substituindo importações, com crises recorrentes.
Como a sincronização não foi perfeita, permitiu o aproveitamento dos erros e acertos do vizinho. Algumas medidas nos planos de estabilização no Brasil foram copiadas de lá. Na Argentina, a luta atual contra a corrupção tem uma inspiração na Lava- Jato brasileira.
As coincidências entre a eleição de Jair Bolsonaro e de Mauricio Macri são notáveis. Os dois vieram de fora dos partidos hegemônicos. Macri foi o primeiro presidente eleito não peronista nem radical – nome da social democracia lá, em um século. Bolsonaro rompeu a hegemonia dos dois partidos tradicionais aqui.
Macri ganhou a eleição nos setores mais modernos, teve oposição mesmo antes da posse, assumiu a Presidência após uma crise e encontrou a Argentina com problemas fiscais crônicos e baixa competitividade. Adotou uma agenda revolucionária de modernizar a economia e deixar o governo mais leve e indicou para seu gabinete técnicos capazes. É parecido com Bolsonaro aqui.
Deu certo nos dois primeiros anos lá. A Argentina surpreendeu o mundo, com expectativas de crescimento em alta, aumento do produto potencial, popularidade crescente e apoio internacional. Todavia, três descuidos do governo Macri fizeram a economia retroceder muito do que tinha avançado. São falhas que podem ser evitadas aqui.
Há espaços para acelerar a redução do déficit público com ajustes na gestão das reservas internacionais, na política cambial e na redução da taxa neutra de juros, melhorando a transmissão da política monetária. O tratamento tem que ser mais rápido para mitigar riscos.
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A mais grave foi o gradualismo. A estratégia usada para equilibrar as contas públicas e reduzir a inflação deixou a economia argentina vulnerável a um choque. Foi o que aconteceu, uma quebra de safra por conta do clima e a piora do cenário internacional catalisaram uma crise que podia ter sido evitada, caso o ajuste tivesse sido mais contundente. Ignorou o ensinamento de Machiavel, de que o mal se faz de uma vez, não aos poucos.
No Brasil a dinâmica da dívida bruta pública/PIB é temerária. A relação está em 77% e crescendo 5% ao ano. A estratégia anunciada foca na redução do déficit primário e em privatizações. Está correta, mas há espaços para acelerar a diminuição com ajustes na gestão das reservas internacionais, na política cambial e na redução da taxa neutra de juros, melhorando a transmissão da política monetária. O tratamento tem que ser mais rápido para mitigar riscos.
Outra falha lá foi não endireitar o sistema bancário. É sólido e sofisticado em alguns aspectos, mas obsoleto em outros e opera com prazos curtos. Atende bem quem vive de juros, mas sua serventia para o setor não financeiro é baixa. Destrói riqueza em vez de gerar. O que poderia ter fortalecido a economia lá, a enfraqueceu.
Guardadas as diferenças, é parecido com o que se observa aqui. Apesar da redução da taxa Selic, da retomada da economia e da agenda BC+, desde abril de 2016, a relação crédito/PIB caiu e a inadimplência subiu batendo recordes históricos. Mostra que a concepção da política bancária está equivocada. Alguns anúncios sobre medidas a serem adotadas desassossegam, porque estão na contramão do que é mandatório.
Um exemplo é a proposta de mais facilidade para a execução de garantias. Para um devedor com dificuldades temporárias de caixa, o razoável é uma reestruturação com condições semelhantes às contratadas originalmente. Todavia, oferecem-lhe cheque especial a taxas altas e, em pouco tempo, a dívida dispara e transforma-se numa armadilha inescapável que termina com a execução de garantias e destruição de riquezas.
Os ganhos inconsequentes de alguns prestamistas no curto prazo limitam os lucros sustentáveis do sistema no longo prazo. São dezenas de milhares de imóveis leiloados, alguns com deságios de 50% ou mais. Avanços como mais agilidade na execução de garantias ou o cadastro positivo são bem vindos, desde que acompanhados dos incentivos corretos. Caso contrário são remédios que se tornam venenos.
O terceiro desacerto de Macri foi não divulgar suficientemente o projeto Argentina, detalhando a situação herdada, as metas almejadas, as barreiras a serem superadas e as estratégias adotadas. A eleição lá foi acirrada e dividiu o país. Era necessário gerar um consenso sobre o que fazer para apaziguar os ânimos.
Foi um descuido grave porque o projeto existia. Há anos, a Fundación Pensar elabora políticas públicas para a Argentina. Faz algo parecido ao Council of Economic Advisers dos Estados Unidos, que propõe estratégias para seu presidente. Aqui, as atenções estão concentradas demais na equipe e quase nada no projeto Brasil. É uma falha a ser reparada.
Há também um acerto que é oportuno lembrar. Antes da sua posse como presidente, Macri veio à Fiesp em São Paulo relatar a importância que dá à ligação com o Brasil e destacou o potencial das duas nações integradas como plataforma de exportação para o resto do mundo. Seria um erro não perceber isso aqui. O ditado diz que os sábios aprendem com a experiência alheia.
Fonte: “Valor Econômico”, 23/11/2018