Escrevo este artigo antes da abertura das urnas. A temperatura eleitoral, marcada por preocupante radicalização e uma participação sem precedentes da cidadania, sobretudo na internet, transmitiu um forte recado à Presidência da República, aos governos estaduais e ao Congresso Nacional. A eleição despertou algo que estava adormecido na alma dos brasileiros: o exercício da cidadania. O povo percebeu, finalmente, que os governantes são representantes da sociedade, mas não são, como pretendem alguns, donos do poder. Os brasileiros, mesmo os que foram seduzidos pelas lantejoulas do marketing político, não estão dispostos renunciar aos valores que compõem a essência da nossa história: a paixão pela liberdade e a prática da tolerância e da convivência civilizada.
A radicalização ideológica, de direita ou de esquerda, não tem a cara do brasileiro. Tentam dividir o Brasil ao meio. Jogar pobres contra ricos, negros contra brancos, homos contra héteros. Querem substituir o Brasil da alegria pelo país do ódio e da divisão. Tentam arrancar com o fórceps da luta de classes o espírito mágico dos brasileiros. Procuram extirpar o DNA, a alma de um povo bom, aberto e multicolorido. Não querem o Brasil café-com-leite. A miscigenação, riqueza maior da nossa cultura, evapora nos rarefeitos laboratórios do fanatismo ideológico.
O primeiro dever do jornalismo de qualidade é a independência. Não podemos sucumbir às pressões dos lobbies direitistas, esquerdistas, homossexuais ou raciais. O Brasil eliminou a censura. E só há um desvio pior que o controle governamental da informação: a autocensura. Para o jornalismo não há vetos, tabus e proibições. Informar é um dever ético. E ninguém, ninguém mesmo, impedirá o cumprimento do primeiro mandamento da nossa profissão: transmitir a verdade dos fatos.
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A preservação de democracia, sempre acossada por projetos autoritários de perpetuação no poder, depende, e muito, da qualidade técnica e ética da imprensa. Um exercício de autocrítica do nosso trabalho é necessário e conveviente.
As virtudes e as fraquezas dos jornais não são recatadas. Registram-nas fielmente os sensíveis radares dos consumidores de informação. Precisamos, por isso, derrubar inúmeros desvios que conspiram contra a credibilidade dos jornais.
Um deles, talvez o mais resistente, é o dogma da objetividade absoluta. Transmite, num pomposo tom de verdade, a falsa certeza da neutralidade jornalística. Só que essa separação radical entre fatos e interpretações simplesmente não existe. É uma bobagem. A neutralidade é uma mentira, mas a isenção é uma meta a ser perseguida. Todos os dias. A imprensa honesta e desengajada tem um compromisso com a verdade. E é isso que conta.
Mas a busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, a falta de rigor e o excesso de declarações entre aspas.
O jornalista engajado é sempre um mau repórter. Militância e jornalismo não combinam. Trata-se de uma mescla que traz a marca do atraso e o vestígio do sectarismo. O militante não sabe que o importante é saber escutar. Esquece, ofuscado pela arrogância ideológica ou pela névoa do partidarismo, que as respostas são sempre mais importantes que as perguntas.
A grande surpresa no jornalismo é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos. O bom repórter é um curioso essencial, um profissional que é pago para se surpreender. Pode haver algo mais fascinante? O jornalista ético esquadrinha a realidade, o profissional preconceituoso constrói a história.
É necessário cobrir os fatos com uma perspectiva mais profunda. Convém fugir das armadilhas do politicamente correto e do contrabando opinativo semeado pelos profetas das ideologias.
Jornais de credibilidade oxigenam a democracia. As tentativas de controle da mídia, abertas ou disfarçadas, são sempre uma tentativa de asfixiar a liberdade.
O jornalismo tropeça em armadilhas. Nossa profissão enfrenta desafios, dificuldades e riscos sem fim. E é aí que mora o desafio.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 07/10/2018