Digamos, só para fazer um teste de imaginação, que você está na lista de políticos comprados pela Odebrecht durante os governos dos ex-presidentes Lula e Dilma. Você tem até um apelido inscrito no computador que relaciona, nome por nome, cada indivíduo adquirido pela empreiteira no seu departamento de corrupção — o “Departamento de Operações Estruturadas”, conforme a própria empresa confessou na Justiça. Até agora, o público, a polícia e a Justiça não sabem com certeza o nome verdadeiro, o CPF e o endereço de cada codinome guardado no arquivo da Odebrecht. “Urso Branco”? “Raposa Vermelha”? “Águia de Haia”? Quem serão esses caras? Só existe um problema: você sabe se é você. Aí complica. O promotor da Lava Jato pode não saber ainda, mas, se você sabe, a sua vida fica o tempo todo debaixo de uma nuvem negra, que a qualquer momento pode fazer um camburão da Federal lhe aparecer às 6 da manhã na porta de casa.
Não é fácil viver desse jeito, sobretudo porque nada tem dado certo para quem precisa sumir com o problema. A última tentativa de “anular tudo” teve um fim triste: o que seria uma bomba atômica capaz de destruir a Lava Jato acabou se revelando um golpe envenenado por escroques de terceira categoria e incapaz de alterar um único milímetro das decisões já tomadas pela Justiça. O fato é que o corrupto anda realmente com medo, pela primeira vez na vida, de ser preso; por que não, se gente muito mais poderosa que ele está hoje no xadrez? Não se trata só da turma da Odebrecht. É incômodo, também, aparecer entre os 30% ou 40% congressistas que estão envolvidos em denúncias criminais de todos os tipos; suas “imunidades” talvez não durem para sempre. Pode ter um problemaço, é claro, quem participou dos governos Lula e Dilma. Você esteve metido com obra para a Olimpíada do Rio de Janeiro? Ou para uma das doze sedes da Copa do Mundo de 2014? Teve negócios com a Petrobras? Com fundos de pensão de estatais? Tratou alguma coisa com Sérgio Cabral? Fez ou financiou obras em Angola, Venezuela e outros lugares que têm a mesma reputação de países fora-da-lei? Vai pondo.
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É fácil juntar dois mais dois e ver que estamos falando de uma multidão — talvez vários milhares de pessoas. Como resolver uma situação que não tem precedentes? E quando, enfim, isso vai acabar? Será que vai ficar desse jeito pelo resto da vida? A complicação não é apenas com o futuro — há as intragáveis questões do presente. Não apenas o indivíduo está com dificuldades cada vez maiores para meter a mão — não sabe mais, nem mesmo, onde guardar o dinheiro roubado, ou como gastar o que roubou. Ter mala de dinheiro em casa não vem dando bons resultados, como se pode ver pelos infortúnios de colossos tipo Geddel Vieira Lima, Paulo Preto ou Rodrigo Loures. Os bancos exigem o diabo para aceitar depósitos em dinheiro. Há essa bendita COAF, seja lá no ministério em que estiver — implicam com qualquer dinheirinho que o cidadão queria depositar, retirar, transferir. Também não dá para esconder em conta no exterior. Acabou o sigilo bancário no mundo e hoje qualquer depósito é denunciado pelos próprios bancos a promotores, agentes fiscais, a Interpol. Ninguém mais aceita pagamento com dinheiro vivo; dá para pagar uma pizza, mas não dá para comprar uma SUV. O dinheiro pode simplesmente estragar — a umidade, por exemplo, é uma dor de cabeça. Aquilo que o sujeito roubou antes corre o risco permanente de ser bloqueado. Enfim: é um inferno.
Muito bem, então: se o ladrão está enrolado com o que já fez, o que se pode esperar que ele faça agora? A única coisa que dá para dizer sobre isso é a seguinte: não acredite que existe um plano de salvação, porque não há plano nenhum. Dá para saber, apenas, o que não é possível. As coisas que um Antônio Palocci está dizendo, por exemplo, não podem desaparecer dos autos — e um dia vai ser preciso lidar com elas. E esse Paulo Preto? Vai delatar? Não vai? Ninguém sabe. Não dá para sumir com as dezenas de processos que estão assando no forno; pode ser a fogo lento, mas sumir eles não somem. Uma anistia geral? Nem o ministro Gilmar Mendes parece animado a vir com um negócio desses. É impossível, enfim, salvar todo o mundo; há gente, sim, que vai para o matadouro. O que se tenta é encontrar alguma solução “média”, ou algo assim — o que vier é lucro. O que ninguém quer é ficar sentado fazendo novena para a desgraça não vir, enquanto cardumes de advogados comem o sujeito vivo para cuidar dos seus casos.
O fato é que você, que não fez nada, dorme em paz. Eles não.
Fonte: “Veja”, 05/08/2019