A democracia está em risco? Essa é uma pergunta que muitas pessoas estão se fazendo, não apenas no Brasil, mas em diversas partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos, considerada a mais antiga e estável democracia no planeta. Steven Levistsy e Daniel Ziblatt, dois especialistas no estudo das crises democrática, apresentam um cenário sombrio, em “How Democracies Die” (Crow, New York, 2018).
Se as rupturas democráticas que dominaram o cenário político no século 20 foram marcadas por revoluções e golpes, o que assistimos hoje é um ataque mais sutil aos regimes democráticos. A imagem de aviões lançando bombas sobre o Palácio de la Moneda, em Santiago, em 11 de setembro de 1973, vitimando o presidente Allende e, com ele, a democracia chilena, parece ser parte do passado.
O que assistimos hoje, em países como a Hungria, Polônia, Rússia, Venezuela, África do Sul e mais recentemente na Turquia, é uma ação paulatina de governantes originalmente eleitos, que usam de seus atributos institucionais para tomar o poder, restringir liberdades, como o pleno exercício do direito de organização e oposição, assim como solapar a autonomia do Parlamento e da própria Justiça.
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Nessa nova forma de ataque à democracia, constituições não são suspensas, parlamentos fechados ou dissidentes sumariamente eliminados. A guerra se dá dentro do marco das instituições, que vão sendo sistematicamente subvertidas, tornando-se, em muitas circunstâncias, “armas políticas”, utilizadas contra inimigos.
Nesse contexto de regressão democrática em muitas partes do mundo, é que o caso brasileiro se torna ainda mais preocupante. O ataque aqui não partiu de um autocrata populista, mas sim dos próprios agentes que promoveram a transição, com seus métodos corruptos para se manter no controle do Estado e especialmente no controle dos seus recursos. O surpreendente no caso brasileiro foi a reação das instituições de aplicação da lei. Como salientou o economista Dani Rodrik, em recente entrevista ao jornal “Valor Econômico”, isso jamais seria possível nas demais economias emergentes, como a China, Rússia ou África do Sul, mergulhadas em corrupção, mas blindadas pela ausência de um efetivo sistema de freios e contrapesos.
A Lava Jato nos permitiu ver que os principais jogadores estavam trapaceando. A corrupção eleitoral é uma forma de subversão da democracia. Evidente que há diferença de escala. O que não redime ninguém. Também é inadmissível que a lei não esteja atingindo de forma igual a todos os envolvidos.
Depois de uma eleição vencida com enorme irresponsabilidade fiscal, um impeachment liderado por Cunha, a ascensão ao poder do velho “centrão”, mestre das trapaças, a condenação de um importante líder e a erosão da autoridade do Supremo, impossível negar que nossa democracia esteja conspurcada.
O fato, porém, é que temos a oportunidade nas eleições de 2018 de depurá-la. Embora os dados apresentados pelas últimas pesquisas do Datafolha demonstrem uma nação dividida sobre a conjuntura, apontam também para um desejo e disposição para superar essa crise. Aqui se abre uma possibilidade para a renovação da política nacional e reafirmação do compromisso democrático. A grande questão é saber qual dos campos terá a ousadia para fazê-lo?
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 03/02/2018