Foi uma semana tenebrosa para os rumos da política fiscal no país.
Por um lado, balões de ensaio acerca da revogação (ou “flexibilização”) da “regra de ouro”, dispositivo constitucional que limita o endividamento do governo às suas “despesas de capital”.
Por outro, a sanção presidencial à lei que permite o uso de até R$ 15 bilhões do FGTS para empréstimo à Caixa na forma de um bônus perpétuo.
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Em ambos os casos, sinalização não apenas das dificuldades relativas à política fiscal mas principalmente da incapacidade de lidar com elas.
Tomemos o caso da “regra de ouro”. Ela basicamente permite que o governo emita dívida somente em dois casos: para pagar a dívida que está vencendo (a chamada “rolagem”, que, por definição apenas mantem o valor da dívida) e para financiar o investimento público (nesse caso, aumentando o valor da dívida).
Se levada a ferro e fogo, portanto, implicaria limitar o deficit primário ao investimento. Ocorre, porém, que essas grandezas têm apresentado comportamento divergente: o resultado primário, superavitário até 2013, se tornou cada vez mais negativo desde então, acumulando, no caso do governo federal, deficit equivalente a 2,5% do PIB nos 12 meses até novembro de 2017.
Já o investimento, que atingiu seu pico em setembro de 2014 (1,4% do PIB), vem em queda livre desde então, para 0,9% do PIB em 2015 e 0,8% do PIB nos 12 meses terminados em novembro.
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Apenas a antecipação do pagamento do BNDES, de R$ 50 bilhões, ocorrida no ano passado permitiu que o novo endividamento não superasse o investimento e quebrasse a “regra de ouro”. No entanto, esse tipo de operação permite contornar o problema por algum tempo, mas não resolve o desequilíbrio de fundo.
Da mesma forma, flexibilizar a regra de ouro, mesmo introduzindo medidas obrigatórias de ajuste em caso de violação, pode evitar punições aos responsáveis pela gestão fiscal, mas de forma alguma oferece uma solução para um país em que o gasto obrigatório supera a arrecadação e no qual o mundo político não consegue levar adiante reformas que nos levem a reverter o problema do gasto crescente.
Já no caso da CEF, seu uso irresponsável, patrocinado pelos pais (agora ausentes) da Nova Matriz Econômica, levou o banco a uma situação delicada do ponto de vista da relação entre seus ativos (empréstimos) e seu patrimônio (capital), que hoje já se encontra muito próximo dos limites estabelecidos na atual versão do Acordo de Basileia, que deverão se tornar ainda mais duros com a adoção de sua nova versão, conhecida como Basileia 3.
Na prática, isso requer a injeção de capital novo, mas, dada a penúria do governo federal, seu único acionista, a alternativa foi a autorização para que o FGTS adquirisse uma dívida perpétua da CEF que, para fins regulatórios, equivale a capital. Contabilmente a aquisição dessa dívida não conta como gasto do governo (o FGTS não faz parte da administração pública), também contornando o problema, em vez de enfrentá-lo.
Não é a primeira vez que o governo tem que colocar dinheiro na CEF; com atitudes como essa, também não será a última.
Continuamos, pois, a empurrar nossos problemas com a barriga, na esperança de que algum d. Sebastião venha a resolvê-los, porque nós não queremos fazê-lo.
Fonte: “Folha de S.Paulo”, 10/01/2018
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