A reorganização partidária que já está em curso, com a fusão de algumas legendas devido às cláusulas de barreira introduzidas nas recentes eleições gerais, deve ser acelerada este ano, até seis meses antes das eleições municipais, prazo permitido pela legislação eleitoral para mudanças dos candidatos.
Essa intensificação deve-se a outra inovação eleitoral, pois pela primeira vez serão proibidas as coligações proporcionais, atingindo as eleições de vereadores. Haverá um enxugamento do número de partidos políticos, exatamente a intenção da reforma constitucional que impôs também cláusulas de desempenho.
14 dos 35 partidos existentes não cumpriram a cláusula de desempenho exigida pela nova legislação, na eleição de 2018: Patriota, PHS, PC do B, PRP, Rede, PRTB, PMN, PTC, PPL, DC, PMB, PCB, PSTU e PCO. Desses, O PRP foi incorporado ao Patriotas; o PPL se fundiu com o PC do B; o PHS ao Podemos, e Rede e PV estudam uma fusão.
Os demais competirão em desigualdade de condições porque perderam o acesso ao fundo partidário e ao tempo gratuito de rádio e televisão. Nos anos de eleição, todos os partidos recebem um “fundo eleitoral”, mas sem fusões, nem coligações proporcionais, esses partidos dificilmente terão condições de subsistir. O tal fundo eleitoral está provocando a mais recente crise política do governo Bolsonaro. O presidente fez uma bravata populista sugerindo que vetaria o fundo de R$ 2 bilhões, mas está tendo que recuar, pois seria uma afronta política ao Congresso.
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A cláusula de desempenho tem mais rigidez à medida que as eleições vão acontecendo, até 2030. Os partidos punidos com a perda do fundo partidário e propaganda eleitoral gratuita não tiveram ao menos 1,5% dos votos válidos nas eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos 1/3 das unidades da federação (9 unidades), com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas.
Também não conseguiram eleger pelo menos 9 deputados federais, distribuídos em um mínimo de 9 unidades da federação, uma exigência alternativa que fez, por exemplo, com que o Partido Novo superasse a cláusula de desempenho.
Nas próximas eleições proporcionais, em 2022, a exigência será maior: só terão acesso ao fundo e ao tempo de TV os partidos que receberem 2% dos votos válidos obtidos nacionalmente para deputado federal em 1/3 das unidades da federação, sendo um mínimo de 1% em cada uma delas; ou tiverem elegido pelo menos 11 deputados federais distribuídos em 9 unidades.
Existem dois grandes blocos partidários hoje na Câmara, um formado pela teórica base governista, que se decompôs depois que o presidente Bolsonaro decidiu sair do PSL para criar seu próprio partido, e outro da oposição, com 82 deputados.
Desses dois grupos sairão as prováveis fusões, que já começam a ser negociadas nos bastidores. Os partidos com mais estrutura pelo país, como PSDB e DEM, não têm compromissos com o governo Bolsonaro, mas com as reformas econômicas.
Se preparam para mais à frente formarem um partido de centro-direita, que vai se defrontar mais adiante com o PSL desidratado, mas com muita verba partidária e eleitoral, e o Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tenta organizar, mas dificilmente terá condições de disputar as eleições municipais.
A fusão possível do PSDB de João Doria, do DEM de Rodrigo Maia, do PSD de Kassab não deve ocorrer para essas eleições, pois cada um estará testando sua própria forca nas urnas para marcar posição no futuro partido. O MDB volta a ser o coadjuvante indispensável, mas esta cada vez mais tóxico politicamente.
Os dois que dominaram a política brasileira nos últimos anos, PT e PSDB, vão tentar recuperar suas forças nas urnas, ganhando musculatura para as eleições gerais de 2022 quando, além do presidente da República, estará em jogo a maioria do Congresso.
Com seu grupo político ainda espalhado por diversos partidos da base, e a maioria permanecendo no PSL devido à verba eleitoral, Bolsonaro não será obrigado a testar sua força eleitoral este ano. Assim como na eleição presidencial, quando não compareceu aos debates devido ao atentado que sofreu, também agora Bolsonaro não estará diretamente envolvido nas eleições municipais.
Mas as eleições municipais certamente darão, como sempre dão, indicações fortes sobre o rumo da política brasileira. Saberemos se a polarização entre petistas e bolsonaristas continua tendo eco no eleitorado, ou se o centro democrático tem chances.
Fonte: “O Globo”, 3/1/2020