* Por Priscila Pereira Pinto e Wagner Vargas
A constatação de baixo desempenho dos alunos brasileiros de 15 anos de idade nesta e nas demais edições do Programme for Internacional Student Assesment (Pisa), da OCDE, retrata mais do que a ineficácia de políticas educacionais das últimas décadas. Em Educação e Desenvolvimento: A formação do Capital Humano no Brasil, recentemente lançado pelo Instituto Millenium—ThinkTank brasileiro — há indícios de que em 4.671 municípios do país as variáveis de infraestrutura, como o acesso ao saneamento básico, por exemplo, impactam de forma significativa a variância da Frequência Escolar de alunos do ensino básico. Algo preocupante uma vez que mais de 95 milhões de habitantes não têm acesso a saneamento e 35 milhões não têm água potável, sendo que 97% dos 251 municípios onde há menor taxa populacional com acesso à água encanada estão nas regiões Norte e Nordeste do país.
A partir de técnicas de Big Data Analytics e Machine Learning foi observado que o proxy de renda quantidade de cômodos domiciliares se relaciona positivamente à Frequência Escolar, indicando que a pobreza ainda é entrave para o acesso escolar. E mesmo com a universalização dessa faixa etária— entre 6 e 17 anos— 11,6 milhões de pessoas ainda chegam aos 18 anos analfabetas.
Estima-se também que um pequeno aumento de 0,3% na taxa de atraso de 2 anos ou mais do ensino básico— atualmente em 12,73%— é suficiente para impactar o índice de Desenvolvimento Humano Municipal de 1.775 de cidades do país. O problema é que a diminuição da frequência, sensível à pobreza e à falta de serviços estruturais básicos, também ocasiona o atraso escolar. E, ainda que essa quantidade de cidades represente 30% dos municípios do país, os alunos dessa faixa de idade correspondem a 61% dos mais de 56 milhões de estudantes brasileiros.
A despeito de o Plano Nacional de Educação (PNE), descrito pela Lei n° 13.005/2014, ter estimado a necessidade do investimento de 10% do PIB brasileiro em educação em 2022, não existem evidências que assegurem que esse aumento de recursos anterior a uma reformulação estrutural vá surtir efeito significativo no desempenho educacional.
Isso porque o problema do setor educacional no país não parece ser a falta, mas sim a gestão eficaz desses recursos. Cerca de 6% do PIB brasileiro é destinado para educação, o mesmo tanto proporcionalmente ou mais do que é gasto por nações ricas. E o investimento federal em educação entre os anos de 2004 e 2015 —período de agravamento da crise — cresceu a extraordinários 299%. Mas, mesmo assim, o desempenho brasileiro no Pisa segue abaixo da mediana em toda a série histórica desde a primeira edição do exame, realizada no ano 2000. Com a única ressalva de que a proporção de recursos para essa faixa etária é ainda menor do que a investida no ensino superior.
Outro ponto é que entre as mais de 2.448 instituições de ensino superior analisadas— das quais 2.152 são privadas— distribuídas em 642 municípios, em 90% (584) delas existem apenas unidades de faculdades privadas. Sendo que nos 931 municípios do país em que o I de Moran —Autocorrelação Espacial — é mais alto para a variável Desigualdade Social, inexiste oferta de ensino público e privado. Ademais, há de se destacar que, em um país de proporções geográficas continentais, o deslocamento intermunicipal é fator relevante no aumento de custos de um aluno.
Mais do que o susto em saber que mais de dois terços dos alunos brasileiros sequer atingiram a proficiência mínima em matemática ou de que aposição do Brasil no Pisa em leitura e ciências esteja estagnada há 10 anos, o questionamento maior é se a política educacional das últimas décadas atacou corretamente o problema de imobilidade social intergeracional. Ou seja, se isso pode ‘condenar’ o aluno a estar na mesma faixa de renda que pertence seus pais ou avós. E, por mais que o investimento no ensino básico venha ganhando espaço, o aluno que tem condições financeiras de custear os estudos desta faixa etária ainda tem mais de chegar ao ensino superior público.
É evidente que o tema em questão trata de um problema complexo e que exige uma política pública coordenada com a capacidade de vislumbrar ações para as próximas décadas. Mas, ainda que assuntos abordados pelo estudo e relevantes para o tema não tenham sido, aqui, citados, em síntese é possível afirmar que os resultados do Pisa refletem mais do que o quadro educacional, espelhando também problemas sociais endêmicos sobre os quais a sociedade brasileira precisa cobrar dos seus representantes.
Fonte: “Correio Braziliense”, 18/2/2020
*Priscila Pereira Pinto, Empresária e Mestre em Ciências Política (George Washington University) e CEO do instituto Millenium.
*Wagner Vargas, Cientista de Dados (Insper), Mestre em Gestão de Políticas Públicas (FGV) e pesquisador do Instituto Millenium