A tenebrosa chacina do fim de semana no bairro Cajazeiras, em Fortaleza, mostrou como estamos distantes de forjar uma cultura federativa. Isso apesar de a Constituição de 1891, imitando os EUA, ter criado uma Federação. O governador do Estado Carlos Santana, do Partido dos Trabalhadores, afirmou que os cearenses estão “pagando um preço caro por falta de uma política nacional. O governo federal tem que cumprir o seu papel”.
Não foi isso que sonharam os fundadores da nossa república. A primeira Constituição do país seguiu muito a americana. Estão lá a separação de poderes, as três esferas de governo, a independência do Judiciário, as assembleias legislativas estaduais, as regras do impeachment e assim por diante. A imitação esteve presente até no novo nome do país: República dos Estados Unidos do Brasil, hoje República Federativa do Brasil.
Acontece que nunca chegamos nem perto daquele modelo. Ao contrário do que costuma ocorrer nos Estados Unidos, tendemos a esperar que um “pai salvador”, o governo federal, resolva as dificuldades dos governos subnacionais. Somos, no fundo, prisioneiros do estado centralizado da Colônia e do Império. Foi essa a reação do governador cearense, para quem cabe à União “combater as ações do crime organizado”.
Leia mais de Maílson da Nóbrega
Os três equívocos do Movimento Passe Livre
Por um outro Banco do Brasil
O lobby dos servidores contra a reforma da Previdência
Há quem admita que o governador quis passar adiante a responsabilidade pelo que aconteceu em Cajazeiras. Daí a resposta do ministro da Justiça para quem “a União seguirá cumprindo o papel de oferecer apoio técnico e financeiro aos estados, como vem fazendo regularmente, para os que os órgãos de segurança pública trabalhem de forma integrada e harmoniosa”. Fará isso “ainda que os governantes não solicitem apoio por razões eminentemente política”. Foi uma fisgada no governador petista.
Sempre se entendeu que a segurança pública compete aos estados. Os artigos 21 a 24 da Constituição, que tratam das competências da União, não incluem essa atividade. Pelo artigo 25, § 1º, “são reservados aos estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”, o que inclui, naturalmente, a segurança pública.
Acontece que a União termina corroborando a cultura da dependência prevalecente nas demais esferas de governo. A administração de Lula criou um Ministério das Cidades em uma área típica de influência dos municípios. E agora o governo federal dá a entender que vai criar um Ministério da Segurança Pública, invadindo competência estadual.
Assim, a autonomia dos estados e municípios jamais se consolidou no Brasil. Na verdade, essas unidades, por estarem mais próximas dos cidadãos, têm melhores condições de identificar as necessidades locais e agir com mais eficácia. O governador do Ceará pode ter desejado passar a batata quente para outros, mas a reação do ministro da Justiça, que fala em assistência aos estados, não deixa de igualmente refletir a cultura segundo a qual a União é o provedor que ajuda ou socorre estados e municípios. Uma pena.
Fonte: “Veja”, 29/01/2018