O debate eleitoral evoca duas célebres frases de Henry L. Mencken: “Democracia é a arte de, da gaiola dos macacos, gerir o circo” e “para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”. Nem o próprio autor poderia imaginar que a primeira frase um dia viesse a ser aplicada ao momento brasileiro com trágica literalidade. A outra explica os programas de governo dos postulantes à cadeira presidencial.
As contradições escancaradas nos programas são desalentadoras: promete-se eliminar o déficit público e reduzir a carga tributária; diminuir o tamanho do Estado e aumentar os investimentos; aumentar tiroteios e diminuir vítimas. Promete-se, enfim, felicidade incondicional. O desequilíbrio estrutural das contas públicas parece desprezível detalhe para a maioria dos candidatos. Nos últimos 30 anos as despesas não financeiras do governo cresceram à taxa de 5% ao ano, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB), base natural e mais relevante da receita, cresceu apenas 2,5%, explicando o crescente déficit primário (receita menos despesas não financeiras) e consequente endividamento. Para 2019 já está contratado um déficit primário de R$ 139 bilhões, que, somados ao custo da dívida pública, resultará em déficit nominal da ordem de R$ 500 bilhões. O cenário fiscal é, pois, desesperador. Como as despesas obrigatórias do governo (aquelas impostas pela Constituição) respondem por mais de 90%, é ínfima a margem de manobra para contornar a crise.
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É compreensível que candidatos escamoteiem em seus programas a necessidade de doloroso ajuste fiscal – aumento de carga tributária e redução de benefícios – para tirar o País da rota da “venezuelização”. “O que é ruim a gente esconde”, ensinou certa vez um ministro da Fazenda. Ao contrário, os ilusionistas apresentam soluções mágicas para, já em 2019, reduzir a carga tributária, a dívida pública, aumentar investimentos, etc.
Do lado da receita, o manicômio tributário compromete a competitividade da economia e a trajetória do PIB. A ineficiência do sistema tributário e a crise fiscal convivem em trágica relação simbiótica e a reforma tributária é tratada de forma cosmética e vazia. Quase todos os candidatos prometem a simplificação do sistema tributário com a criação de um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) que substituirá cinco impostos e contribuições que incidem sobre bens e serviços, medida necessária, mas que enfrentará forte resistência política, dada a enorme redistribuição regional de receita e setorial de carga tributária dela resultante.
A reforma não será indolor. O programa de Geraldo Alckmin limita-se à criação do tal IVA. Ciro Gomes faz menção, ainda, à “recriação do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos; alteração das alíquotas do ITCMD (imposto sobre heranças e doações) e elevação da alíquota do ITCMD”. Essa salada evidencia o desapreço ao tema. O programa tributário do Partido dos Trabalhadores é mero discurso para a militância: “isentar o Imposto de Renda dos que ganham até 5 salários mínimos, condicionado ao aumento desse imposto sobre os super-ricos, tributação de lucros e dividendos”. Jair Bolsonaro promete unificação de tributos e a radical simplificação do sistema tributário nacional com gradativa redução da carga tributária bruta brasileira. Promete, ainda, dar o tiro de misericórdia no déficit primário já em 2019. Acreditem! Marina Silva anuncia a correção da regressividade do sistema tributário, tributação sobre dividendos, com redução simultânea do Imposto de Renda sobre pessoas jurídicas, elevação da alíquota do imposto sobre herança, com isenções progressivas e o aumento da base de tributação sobre a propriedade. Só platitudes…
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 13/09/2018