Ponha-se na seguinte situação: você tem $ 1.000 e seu banco lhe oferece uma aplicação por um ano com taxa de 10%, prometendo depositar de volta na sua conta $ 1.100. Você toparia?
Não serei eu quem vai lhe dar a resposta, claro, mas noto que falta (pelo menos) uma informação crucial no problema acima, a saber, qual será a inflação nesse ano durante o qual seu dinheiro estará “preso” na aplicação.
Digamos que seja de 15%, isto é, as coisas que você poderia comprar por $ 1.000 hoje custarão $ 1.150 daqui a um ano. Nesse caso, seus $ 1.100 não poderão comprar o mesmo que $ 1.000 hoje, mas um pouco menos, ou seja, você perderia com essa aplicação. Faria mais sentido gastar o seus recursos agora, quando ainda pode comprar $ 1.000.
Não é difícil concluir, portanto, que seria vantajoso para você aplicar o dinheiro e abrir mão da possibilidade de gastá-lo agora apenas quando a inflação nos 12 meses seguintes fique abaixo de 10%.
Isso não quer dizer, óbvio, que necessariamente você aplicará esses recursos caso a inflação esperada para daqui a um ano seja inferior a 10%; tal decisão depende de suas preferências pessoais, em particular se é mais impaciente (por estar, por exemplo, mais velho e com menos tempo para esperar) ou menos. Isso dito, deve ter ficado claro que a decisão de aplicar o dinheiro (em oposição a gastá-lo hoje) depende crucialmente da diferença entre o retorno de sua aplicação e a taxa de inflação futura, também conhecida como a taxa real de juros.
O problema é que, embora em geral conheçamos a taxa a que podemos aplicar nosso dinheiro, não sabemos a inflação nos próximos 12 (ou 3, ou 47) meses. No melhor dos casos, podemos ter uma expectativa (um nome mais sofisticado para um “chute” educado) sobre como os preços se comportarão no horizonte relevante. Se estivermos certos sobre esse chute, ou não, só saberemos ao final do período, mas, quando o fizermos, nossa decisão, tomada há 12 (ou 3, ou 47) meses, já fará parte do passado e será, portanto, irrevogável.
Dessa lenga-lenga toda, fica uma lição importante. A taxa real de juros que determina a decisão de gasto (portanto de atividade econômica) é a diferença entre a taxa de juros para um determinado prazo e a inflação esperada para aquele prazo. A inflação efetivamente observada é irrelevante, porque não pode alterar decisões já tomadas.
No caso do Brasil, em particular, a taxa real de juros assim definida (para o período de um ano) caiu de 8,6% no último trimestre de 2015 para 2,9% no mesmo período de 2017, fenômeno que se encontra na raiz da reversão do consumo.
Considerada a defasagem usual de dois trimestres, as vendas do varejo, que caíam quase 7% na comparação interanual, passaram a crescer pouco mais que 5% no final do ano passado, sem ainda refletir a queda observada na segunda metade de 2017. Houve (e ainda há) um impulso monetário considerável.
Não há, portanto, a necessidade de inventar ginásticas sobre estímulos “parafiscais” para entender por que, ao contrário do que diziam os keynesianos de quermesse, o consumo cresceu mesmo com queda do gasto público. Bastava lembrar que, em oposição aos países desenvolvidos, a taxa de juros no Brasil não era zero (oh!), mas isso requer mais honestidade do que esse pessoal consegue aguentar.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 14/02/2018