O que explica a intensa cacofonia do bolsonarismo considerando que o governo em tese poderia aumentar sua popularidade e as chances de implementar sua agenda se praticasse moderação? Como já observei neste espaço, palanque permanente e barganha legislativa são substitutos não complementos. Bolsonaro rejeita esta última, compensa com o ativismo. Mas isso não é tudo.
Candidatos situados nos extremos do continuum ideológico tendem a deslocar-se ao centro (mediana). Isto se deve ao fato que em um confronto entre um candidato extremista de direita e de esquerda, o primeiro poderá conquistar novos eleitores moderados de direita, e vice-versa.
Os ganhos do deslocamento ao centro seriam claramente maiores do que as perdas junto aos setores à direita: estas seriam pequenas devido ao fato de que este grupo é menor do que o grupo mais ao centro e tende a exibir elevada taxa de lealdade política. Mas a chave da questão é que o bolsonarismo não busca aumentar a sua influência horizontalmente sobre setores centristas, mas aumentar a coesão e ativismo no seu grupo.
Eis a resposta para o paradoxo da campanha perpétua: embora represente apenas um quinto do eleitorado, o núcleo duro do bolsonarismo foi suficientemente coeso e militante para garantir a ida ao segundo turno. É imperativo para o bolsonarismo evitar sua desmobilização. Se Já deu certo antes, por que mudar o rumo?
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A cacofonia então é subproduto do esforço para evitar a desmobilização nas redes. O ativismo confrontacional é ingrediente essencial desse esforço, embora seja inescapável, confundindo-se com a própria identidade dos atores. Embora aliene setores do centro, o saldo líquido acaba sendo positivo se não ultrapasse certos limiares, mas isto tem ocorrido.
Para além da dinâmica do apoio do eleitorado ao governo as tensões internas envolvendo sobretudo militares têm engendrado clivagens que podem revelarem-se irreconciliáveis. E mais: um vice-presidente militar cria incentivos para que este setor ao fim e ao cabo retire seu apoio. Por sua vez, o apoio do empresariado ao governo não é incondicional: depende de sua capacidade de aprovar a agenda de reformas.
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No longo prazo este estado de coisas assenta-se em duas condições estruturais: que o centro continue fragilizado e não tenha candidato competitivo, e a hiperfragmentação partidária persista. Mas tudo irá depender de quem será o opositor nas futuras eleições majoritárias. A escolha é binária, o bolsonarismo aprendeu a lição. Embora perdure o intenso desgaste de seu líder, o eleitor de centro voltará a apoiá-lo se a rejeição a seu rival for maior do que a ele próprio. Se ele chegar até lá, bien entendu.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 20/05/2019