A redução do preço do gás de cozinha voltou à pauta no governo Bolsonaro. O movimento é esperado, já que o gás de cozinha é utilizado por 98% das famílias brasileiras. Esse energético abastece quase 70 milhões de residências e, por ser a única fonte de cocção de alimentos para a população de baixa renda, é alvo frequente de políticas populistas e eleitoreiras. O maior exemplo foi durante o governo do PT, quando a Petrobras foi obrigada a congelar o preço na refinaria do botijão de 13 kg de 2003 a 2015. A medida causou um prejuízo de aproximadamente R$ 35 bilhões para a empresa, em valores nominais. É bom lembrar que uma das principais promessas do candidato do PT à presidência da República, Fernando Haddad, foi a redução do preço do gás de cozinha para R$ 49.
Preços artificiais acabam criando uma série de distorções. Dois exemplos claros são: (1) a diferença de preços entre o botijão de 13 kg e o vendido a granel para grandes consumidores; e (2) a concorrência desleal entre o gás de cozinha e o gás natural encanado, que inibe investimentos das distribuidoras de gás natural e dá sinais econômicos errados para os consumidores. O governo deveria corrigir essas distorções por meio de uma política social, e não de uma política energética. Mas o que estamos vendo são soluções nada sociais, que não vão reduzir preço nem melhorar a fiscalização, além de comprometer o nível de segurança para toda a sociedade.
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Um dos principais focos do governo é fornecer gás natural a preços competitivos, com o slogan Choque de Energia Barata. Isso ficou bem claro no último dia 23 de julho, quando foi lançado o Novo Mercado de Gás. Nessa ocasião, falou-se de maneira equivocada sobre redução dos preços do gás de cozinha, defendendo a adoção do enchimento fracionado e a permissão da venda de botijões sem a marca do distribuidor. Além disso, foi dito que o preço do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) vai cair como resultado de uma maior oferta de gás natural do pré-sal, que vai reduzir a importação. Esquecem que o GLP, como a gasolina e o diesel, são commodities com preços determinados pelo mercado internacional e pelo câmbio.
O enchimento fracionado do botijão P-13 voltou à pauta após ter sido discutido em 2018 pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Quando analisamos de forma cuidadosa a medida podemos destacar seus erros, evidenciando a falta de entendimento do mercado por parte dos tomadores de decisão.
Um olhar superficial pode indicar que o processo seria simples, com o consumidor levando o botijão até um posto de reabastecimento e injetando a quantidade de gás desejada, assim como fazemos com o combustível do carro nos postos de gasolina. Porém, não cabe comparação entre as atividades, seja por aspectos logísticos ou por razões de segurança. Já imaginou transportar um botijão que vazio pesa cerca de 15kg e cheio pode chegar a quase 30kg? Não parece ser tarefa fácil. Além disso, o processo de envasamento dos botijões envolve normas detalhadas de segurança do Inmetro e da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Uma das exigências de segurança é o distanciamento de áreas residenciais, o que adiciona mais um componente logístico às dificuldades do processo.
A permissão da venda de botijões sem a marca da distribuidora também envolve questões de segurança, pois levaria essas empresas a relaxarem na manutenção dos vasilhames. Para se ter ideia, foram investidos R$ 700 milhões só em 2018, com quase 500 mil botijões inutilizados e mais de 10 milhões requalificados. A marca estampada nos cilindros permite identificar as empresas responsáveis por eventuais não conformidades e por acidentes que possam ocorrer. Isso tudo em prol do consumidor.
Em relação à redução de preço, a medida é um tiro no pé. Como qualquer produto, o GLP se beneficia da economia de escala. Ou seja, o preço final do gás de cozinha seria mais alto, porque a venda fracionada reduziria a escala das distribuidoras sem reduzir o custo do enchimento na mesma proporção. A opção de enchimento fracionado exigiria a instalação de novas centrais para reabastecimento e aumentaria o preço por quilo, encarecendo o produto. Assim, uma embalagem fracionada é tudo menos social, porque o produto sai mais caro.
+ Carlos Pereira: Destruição Criativa
Se o objetivo é garantir um preço mais barato para o gás de cozinha e com isso beneficiar a população de baixa renda, precisamos elaborar uma política social, ou melhor, uma tarifa social para o gás de cozinha consumido pelas camadas de baixa renda. O governo poderia se inspirar na tarifa social de energia elétrica, que hoje beneficia cerca de 8,7 milhões de famílias. A ideia seria criar um vale gás, não nos moldes do governo FHC, mas semelhante ao atual vale transporte, que seria carregado com o valor do benefício concedido a essas famílias.
Ao invés de inventar soluções mirabolantes, ineficientes e populistas para o gás de cozinha seria mais produtivo discutir a carga tributária e adotar uma tarifa social que poria fim à atual política de “Robin Hood às avessas”.
Fonte: “Poder 360”, 30/07/2019