Proliferam notícias falsas nas redes sociais. São compartilhadas acriticamente com a compulsão de um clique. Fazem muito estrago. Confundem. Enganam. A mentira, por óbvio, precisa ser debelada. O antídoto não é o Estado. É a poderosa força persuasiva do conteúdo qualificado. O valor da informação e o futuro do jornalismo estão intimamente relacionados. É preciso apostar na qualidade da informação.
As rápidas e crescentes mudanças no setor da comunicação colocaram os antigos modelos de negócios em xeque. A dificuldade em encontrar um caminho seguro para a monetização dos conteúdos multimídia e as novas rotinas criadas a partir das plataformas digitais produzem um complexo cenário de incertezas.
É preciso pensar, refletir duramente sobre a mudança de paradigmas, uma vez que a criatividade e a capacidade de inovação — rápida e de baixo custo — serão fundamentais para a sobrevivência das organizações tradicionais e para o sucesso financeiro das nativas digitais.
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Mas é preciso, previamente, fazer uma autocrítica corajosa a respeito do modo como nós, jornalistas e formadores de opinião, vemos o mundo e da maneira como dialogamos com ele.
Antes da era digital, em quase todas as famílias existia um álbum de fotos. Lembram disso? Lá estavam as nossas lembranças, os nossos registros afetivos, a nossa saudade. Muitas vezes, abríamos o álbum e a imaginação voava. Era bem legal.
Agora, fotografamos tudo e arquivamos compulsivamente. Nosso antigo álbum foi substituído pelas galerias de fotos de nossos dispositivos móveis. Temos overdose de fotos, mas falta o mais importante: a memória afetiva, a curtição daqueles momentos.
Algo análogo, muito parecido mesmo, ocorre com o consumo da informação. Navegamos freneticamente no espaço virtual. Uma enxurrada de estímulos dispersa a inteligência. Ficamos reféns da superficialidade. Perdemos contexto e sensibilidade crítica. Penso que há uma crescente nostalgia de conteúdos editados com rigor, critério e qualidade técnica e ética.
Jornalismo sem alma e sem rigor. É o diagnóstico de uma perigosa doença que contamina redações, afasta consumidores e escancara as portas para os traficantes da mentira. O leitor não sente o pulsar da vida. As reportagens não têm cheiro do asfalto.
Politização da informação, distanciamento da realidade e falta de reportagem. Eis o tripé que tisnou a credibilidade dos veículos. A informação não pode ser processada em um laboratório sem vida. Falta olhar nos olhos das pessoas, captar suas demandas legítimas. Gostemos ou não delas. A velha e boa reportagem não pode ser substituída por torcida.
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A crise do jornalismo, e a proliferação de fake news, está intimamente relacionada com a pobreza e o vazio das nossas pautas, com a perda de qualidade do conteúdo, com o perigoso abandono da nossa vocação pública e com a equivocada transformação de jornais em produto mais próprio para consumo privado.
O consumidor precisa sentir que o jornal é um parceiro relevante na sua aventura cotidiana. Fake news também se combate com qualidade.
Fonte: “O Globo”, 04/06/2018