Não é de hoje que a mentira é usada na política. Afinal, mesmo o político bem intencionado —que quer promover o bem da sociedade—sabe que, para ter impacto real, precisará vencer. Para vencer, é preciso dar esperança ao eleitorado e mostrar-se como superior aos outros. Daí vêm as promessas vazias e acusações sem base de toda campanha. Nunca teremos uma política completamente calcada na veracidade. Mas, do ponto de vista dos cidadãos, seria desejável reduzir o grau de mentiras.
Por muito tempo, o PT foi o mestre na arte de enganar a população no período eleitoral. Uma de suas estratégias favoritas é inventar uma acusação contra alguém (e para isso basta um fiapo de verossimilhança) e repeti-la ininterruptamente, mesmo que o acusado negue e faça de tudo para mostrar-se inocente. Foi assim com Marina Silva na corrida presidencial de 2014, acusada de querer cortar auxílio social aos pobres para favorecer banqueiros; e assim com Bolsonaro agora em 2018, acusado de querer acabar com o décimo terceiro salário. A questão é que, desta vez, parece não estar colando.
Há novas formas mais eficazes de mentira, e as táticas do PT ficaram para trás. Elas parecem até inocentes perto da verdadeira máquina de desinformação que é a campanha de Jair Bolsonaro no WhatsApp (e aqui incluo não só a campanha formal como todos aqueles que contribuem para gerar e compartilhar conteúdos a seu favor). Notícias falsas e teorias da conspiração –a revista que aceitou atacar Bolsonaro em troca de R$ 600 milhões, as urnas fraudadas, etc.– circulam em tamanha profusão que criam um verdadeiro universo paralelo contra o qual o jornalismo sério pouco pode fazer. As agências de checagem de fatos têm se mostrado incapazes de conter a maré das fake news. No tempo em que se apura uma notícia falsa, três novas já foram criadas e circulam pelo WhatsApp.
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Desmascarar notícias falsas é um esforço necessário mas paliativo, que não vai às causas: elas só circulam porque as pessoas estão mais dispostas a acreditar num boato de WhatsApp repassado por um estranho do que na matéria apurada por jornalistas profissionais num veículo de respeito. O problema é, antes de tudo, de confiança nas instituições fundamentais do nosso sistema: política, Justiça, academia, mídia. E se está ruim agora, com as bolhas de redes sociais (criadas e desejadas pelos próprios usuários, não por um algoritmo), espere só até o próximo governo permitir a substituição da escola presencial pelo ensino à distância, via computador, e pelo ensino domiciliar. O isolamento cognitivo virá de berço.
Como sair desse jogo polarizador no qual as identidades políticas falam cada vez mais alto e que é intensificado por lideranças inescrupulosas que querem o poder acima de tudo? Ainda não temos respostas à altura. No plano individual, o melhor que cada um de nós pode fazer é conviver com pessoas que pensam diferente em contextos nos quais a divergência política não seja relevante; é essa convivência que promove a confiança entre os diferentes. A mídia tem que dar o exemplo e promover redações com mais pluralidade ideológica. Como cidadãos, deveríamos exigir das lideranças que tenham tolerância zero com a mentira. Pela própria natureza do jogo político, contudo, talvez seja pedir demais.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 16/10/2018
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