De pronto, devo confessar: passei o fim de semana lendo o explosivo livro de Michael Wolff, provavelmente o melhor livro de fofoca política que será publicado este ano sobre o governo Trump. Este artigo, entretanto, não é – exatamente – sobre o livro de Wolff, tampouco sobre o que revela ou deixa de revelar acerca da acuidade mental e do temperamento do ocupante da Casa Branca. O livro é, antes de tudo, o retrato do nacionalismo econômico defendido com fogo e fúria pelo defenestrado Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, ex-conselheiro sênior da Casa Branca, ideólogo e articulador do Trumpismo que nem Trump sabe o que é.
A última semana foi marcada por dois eventos que, em tese, nada têm em comum: a publicação da obra de Wolff e as reuniões anuais da American Economic Association (ASSA 2018) – evento acadêmico que reúne desde aspirantes em busca de seu primeiro emprego universitário pós-PhD a vencedores do Nobel e outros renomados economistas.
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Como não poderia deixar de ser, houve sessão dedicada aos movimentos “populistas” que pipocam mundo afora, tema que já abordei neste espaço. Economistas, cientistas políticos, sociólogos, e outros cientistas sociais não têm definição consensual sobre o populismo. De modo geral – e como visto na ASSA 2018 –, o mínimo denominador comum do populismo é que se trata de visão que contrapõe as massas à elite corrupta, cuja ideologia é desidratada, podendo, portanto, ser cooptada pela direita ou pela esquerda, e que funciona tanto em democracias quanto em regimes autoritários. Embora esses aspectos sejam aceitáveis como esboço para caracterizar o populismo, falta nessa delineação traço fundamental de qualquer movimento que se pretenda populista: o nacionalismo econômico.
Mas o que é nacionalismo econômico? Pesquisa minha em colaboração com um colega do Peterson Institute for International Economics ainda em estágio muito inicial define o nacionalismo econômico moderno sobre cinco pilares: 1. A política industrial como instrumento de promoção de setores econômicos específicos, vistos como estratégicos seja por questões de segurança nacional, seja porque acredita-se possuam maior peso na criação de empregos, sobretudo na indústria tradicional; 2. A subordinação de políticas de concorrência que preservam o livre funcionamento do mercado com regulação aos objetivos da política industrial; 3. Uma visão mercantilista acerca do comércio mundial, exaltando as exportações de produtos nacionais e vilificando as importações; 4. A submissão da estabilidade macroeconômica a outros objetivos como a criação de empregos e/ou o impulso ao crescimento de curto prazo; 5. O repúdio a tratados e acordos internacionais que restrinjam a capacidade de implantar os quatro pilares do nacionalismo econômico citados.
Volto ao livro de Wolff. As partes mais interessantes de Fogo e Fúria não são as fofocas e intrigas, embora tenham o grande mérito de divertir imensamente o leitor. As partes mais interessantes são as que retratam a incansável batalha de Bannon para imprimir às políticas defendidas pela Casa Branca conteúdo nacionalista baseado nos cinco pilares mencionados acima. O livro, portanto, pode ser lido como coletânea de mexericos, ou como a melhor exposição do Trumpismo idealizado por Steve Bannon – que, afinal, é o real protagonista da obra de Wolff, citado que é página sim, outra também.
O ex-todo-poderoso do Trumpismo parece – por ora – ter caído em desgraça. Contudo, para qualquer um que acompanhe o debate político e econômico nos EUA, na Europa, no México, e, pasmem, no Brasil, a verdade é que fogo e fúria têm consumido mentes e corações, debates e bate-bites, como bem disse Nelson Motta em contexto distinto. As labaredas do nacionalismo econômico cativam as massas como no fascismo europeu dos anos 30, na ascensão do Japão nos anos 50, no milagre econômico da Coreia e de Taiwan em 1960 e 1970, no Varguismo e no Peronismo do pós-guerra, na transformação da China em potência mundial. Em todos esses episódios, ao menos três dos cinco pilares sobre os quais definimos o nacionalismo econômico estiveram presentes. Difícil é, portanto, imaginar que fogo e fúria tenham destino certo, ou hora para acabar.
Fonte: “Estadão”, 10/01/2018
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