Vi na internet as impressionantes imagens da espessa fumaça que encobriu São Paulo na última segunda-feira, fruto de queimadas e prova de que o dito popular “onde há fumaça, há fogo” geralmente se concretiza. O que dizer, portanto, dos ruídos e da fumaça que andaram causando intensas turbulências nos mercados internacionais nas últimas semanas? Há fogo? Se há, de onde se origina?
Muitos se preocupam que a origem seja a economia norte-americana, que andou dando alguns sinais recentes de fadiga. O temor de uma recessão nos EUA em meio aos graves problemas que afligem o mundo – do Brexit à crise com o Irã à desaceleração da economia chinesa aos protestos em Hong Kong, e por aí vai – tem sido fonte de incerteza, muita especulação, e de dúvidas ponderáveis sobre os rumos da política econômica mundo afora. Por certo, o risco de uma recessão nos EUA existe. A recuperação em curso é a mais prolongada tomando-se várias décadas, o que por si sugere que uma virada cíclica estaria no horizonte.
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Pesquisa do Wall Street Journal sobre as previsões econômicas para os EUA mostrou recentemente que alguns entrevistados acham que a probabilidade de que o país seja atingido por uma recessão até o fim do ano que vem é de mais de 70%. Trump tem demonstrado intensa ansiedade em relação ao estado da economia ao responsabilizar o banco central norte-americano – o Fed – por um eventual enfraquecimento que venha a prejudicar sua reeleição. Contudo, nada disso atesta que há uma recessão iminente por vir.
Apesar de alguns sinais negativos, a economia continua a crescer em bom ritmo, ainda que os efeitos dos estímulos fiscais de 2017 tenham se dissipado. O investimento está crescendo de forma robusta e o consumo, auxiliado pela baixíssima taxa de desemprego, está forte. Em julho, o Fed reduziu os juros pela primeira vez desde 2008 de forma preventiva e há indícios de que fará o mesmo movimento em setembro. O que explica tanta angústia?
A resposta óbvia é o comércio internacional e as ações tomadas pelo governo Trump desde 2017. Ainda que muitos achem que a guerra comercial com a China não vá se intensificar, o fato é que há meses temos uma guerra comercial em curso que já está afetando algumas das principais potências exportadoras do planeta, entre elas, a Alemanha. Some-se a isso algo que passa desapercebido entre aqueles que acompanham de longe as tribulações dos mercados internacionais: é muito difícil mapear os efeitos de uma guerra comercial sobre as variáveis macroeconômicas. A razão é que os modelos usados pelos economistas para fazer projeções macroeconômicas são incompatíveis com os modelos usados pelos especialistas em comércio internacional para analisar como o aumento de determinada tarifa – e a possível retaliação a essa medida – afetaria diferentes setores, estados, ou municípios.
Para elaborar essa tarefa, especialistas em comércio internacional trabalham com modelos que precisam ser calibrados com algum cenário macroeconômico – ou seja, as hipóteses macroeconômicas são impostas para que se enxergue o efeito da tarifa. Isso significa que o impacto macroeconômico nesses modelos não é o resultado, mas a variável que o alimenta. Diante dessa incompatibilidade entre as formas de fazer previsões macroeconômicas e previsões sobre o impacto de medidas comerciais, resta uma incerteza brutal.
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Incerteza que, diante de qualquer sinal negativo, vira motivo para que os investidores busquem proteção livrando-se de ativos de risco – como os brasileiros – e para que os gestores de política econômica adotem medidas preventivas.
Portanto, onde há fumaça, há fogo. No entanto, contrariando as leis da física, na economia às vezes a fumaça aparece antes do fogo.
Na economia, às vezes o fogo permanece invisível por uns tempos até que tenha passado por todos os processos de ignição que produzem as primeiras faíscas. Querem saber a origem do fogo? Pois trata-se da guerra comercial entre EUA e China. Essa guerra que aí está não desaparecerá tão cedo. E não é preciso que piore para continuar amedrontando os mercados.
Fonte: “Estadão”, 21/08/2019