Passados oito meses do novo governo, a incerteza impera. O presidente continua entendendo a política como atividade voltada para contemplar seus amigos e sua família, enquanto considera todos os que dele discordem ou o critiquem como um inimigo potencial ou atual. O resultado é a constante polarização do campo político, numa espécie de guerra incessante. Do ponto de vista econômico, a promessa liberal e inovadora do novo mandatário pouco produziu até agora, com a economia no marasmo, se não estagnada.
Apesar do discurso radicalizado de que tudo seria diferente, o “novo” tomando o lugar do “velho”, numa retomada do lema lulista do “nós contra eles”, com os polos invertidos, nada de verdadeiro novo se vislumbra, salvo o impasse e a incerteza. O que era compreensível num embate eleitoral deixa de sê-lo quando a tarefa primeira consiste na arte de governar, com os ritos e as negociações próprias de uma democracia. A democracia toma tempo, exige aprendizado e não tolera atalhos.
Na polarização eleitoral, o governo Temer praticamente desapareceu, isso porque o candidato Bolsonaro assumiu a posição daquele que iria dar combate ao PT, à esquerda e à sua doutrina, focando na crítica ao politicamente correto. Acertou enquanto estratégia eleitoral, errou no diagnóstico da situação real.
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Não se pode confundir a impopularidade do presidente Michel Temer com sua obra como governante. Por sua impopularidade convinha desprezá-lo, pelo que fez deveria ser reconhecido. A corrupção de alguns de seus ministros em muito contribuiu para isso, com imagens estarrecedoras, mas o País estava ganhando em ordenamento econômico, social e institucional. Havia um clima de expectativa, de que a alardeada bandeira da luta contra a corrupção ensejaria um novo caminho a ser trilhado.
Na verdade, o candidato vencedor herdou um País arrumado. A narrativa eleitoral contra tudo o que estava aí não correspondia aos fatos. Bastava seguir o que estava sendo bem feito, corrigindo suas distorções, principalmente relativas a certas formas de fazer política, algo que deveria ser fácil para um novo presidente eleito, de ampla popularidade e muito boa comunicação com o eleitor.
País ganhando confiança, após o colapso do governo Dilma e da prática petista de governar. A inflação já havia voltado a um patamar de país sério; os juros caíram a um nível civilizado; a Lei do Teto de Gastos pôs um limite à irresponsabilidade fiscal; a mudança na legislação trabalhista e da terceirização modernizou as relações de trabalho; critérios de mérito foram introduzidos em estatais importantes, a começar pela recuperação da Petrobrás, em estado calamitoso naquele então; um audacioso programa de privatizações e concessões foi elaborado e começou a ser implementado; a reforma do ensino médio foi aprovada e os excessos da ideologia de gênero nas escolas começaram a ser corrigidos; a negociação Mercosul-União Europeia foi retomada e quase concluída. Não menos importante foi o amplo debate da reforma da Previdência, com a transparência das contas públicas tornada acessível a quem quisesse vê-las.
A herança era bendita! E o que fez o novo governo? Manteve o discurso de que o “novo” deveria primar, o que não tivesse esse carimbo devia ser desprezado. O preço a pagar foi alto. A reforma da Previdência estava pronta para ser votada. Bastava a nova equipe de governo concluí-la. Eventuais desacordos poderiam ser corrigidos. O presidente tinha capital para tal.
Em vez disso, uma nova proposta foi elaborada, criando um vácuo de expectativas e um ambiente de esperar para ver. A reforma poderia ter sido aprovada em março. Estamos em setembro, aguardando sua aprovação em outubro. Um ano foi perdido. Ouve-se atualmente que a política vai mal, mas a economia está indo bem. Trata-se de uma forma de autoilusão. Se fosse bem, já estaríamos na rota do crescimento, da confiança e do contentamento com as transformações prometidas. O País permaneceu, porém, na discussão da Previdência, da Previdência e da Previdência. A repetição da mesma narrativa não a torna verdadeira.
A confusão continua em outra reforma, a tributária. Passados mais de oito meses, o governo ainda não apresentou sua proposta. Não teve tempo de elaborá-la? Há já dois projetos de iniciativa parlamentar, o do Senado e o da Câmara, além de uma iniciativa dos governadores, num choque sistemático de cabeças. Restou ao governo, pela sua inércia, propor o “velho”, a volta da CPMF, que consegue a proeza de congregar todas as forças políticas e empresariais contra ela. Resultado: a exoneração do secretário Especial da Receita Federal. Mais uma baixa num governo que não consegue firmar a sua equipe.
Politicamente, o presidente, que se tornou o principal comunicador de seu governo, não hesita em criar conflitos, como se assim outros problemas pudessem ser minimizados. Aposta que essa sua narrativa, fortalecendo o seu núcleo duro, poderá proporcionar-lhe condições favoráveis para as eleições de 2022. Crê na polarização e em embates contínuos, convocando o PT a ser o seu inimigo preferido. Acontece que sua narrativa e o diagnóstico equivocado do País que recebeu estão, cada vez mais, interferindo na seara econômica. Em vez de propiciar o relançamento do País, sua política o está travando. Se a economia não der certo, nem o seu discurso polarizado lhe será de valia.
Tampouco contribui para destravar o País o apoio incondicional do presidente a seus filhos, como se questões familiares e psicológicas devessem prevalecer sobre os destinos do Brasil. Que um filho do presidente faça um comentário desprezando a democracia e o vice-presidente, o presidente do Senado e o presidente da Câmara se vejam obrigados a contestá-lo mostra bem a anomalia que estamos vivendo.
O futuro é incerto!
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 16/9/2019