Na semana passada, discuti as diversas meias-entradas que fazem com que o gasto público seja muito elevado. Argumentei que o inferno somos todos nós.
De uma forma ou de outra, há programas públicos que nos favorecem individualmente. A soma de todas essas distorções produz um Estado disfuncional. Não serve ao público e não consegue pagar suas contas. A dívida pública cresce ilimitadamente.
Houve comentários à coluna lembrando meias-entradas que esqueci. Por exemplo, a isenção de pagamento de impostos para as igrejas. Bem lembrado.
Outro desconforto comum dos leitores com a coluna é o tratamento dirigido aos juros da dívida pública. Por que não se trata de uma meia-entrada?
Apesar de ser uma conta salgada, o pagamento de juros da dívida pública não é uma meia-entrada. A característica da meia-entrada é ser um favorecimento na forma de lei. A dívida é salgada porque os juros são elevados. E esses são elevados porque a inflação é elevada.
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É comum argumentar que seria melhor combater a inflação com maiores compulsórios e maiores controles diretos de crédito. Já praticamos os maiores compulsórios do mundo, e o mercado de crédito é supercontrolado.
Evidentemente a redução do crédito subsidiado —este sim uma bela meia-entrada— ajudará em muito a reduzir o custo de rolagem da dívida pública.
Finalmente há uma incompreensão da sociedade do real custo de rolagem da dívida pública.
Quando o setor público capta recursos, essa dívida é contabilizada como receita de capital. No vencimento, a recompra —quitação— da dívida é contabilizada como gasto de capital.
É comum o sindicato dos auditores fiscais considerar que a rolagem da dívida pública constitui um item do gasto público. Entretanto, a norma contábil não obedece ao conceito econômico.
Como sabemos desde o clássico “Valor e Capital”, de John R. Hicks, “renda é o máximo valor que um indivíduo pode consumir durante uma semana e mesmo assim ter, no final da semana, o mesmo nível de riqueza que ele tinha no início”.
A receita da captação da dívida não é renda, pois ela gerou um passivo, diminuindo a riqueza. E, analogamente, a recompra de títulos de dívida pública (a quitação) não é gasto, pois o Tesouro devolve ao público um recurso que nunca fora seu.
Segue desse conceito econômico que a renda que um indivíduo recebe por carregar um título público no seu portfólio —e que o governo gasta na gestão da dívida pública— é dada pelos juros pagos, líquidos da correção monetária e líquidos do Imposto de Renda que incide sobre a correção monetária (lembre que o IR sobre aplicações financeiras incide sobre o juro nominal e que parte do juro nominal, a correção monetária, não é renda).
Assim, para uma dívida de 70% do PIB e um juro nominal de 10% com inflação de 4% e alíquota de IR de 15%, temos: o juro nominal será de 7% do PIB; o juro real será de 4% do PIB; e o juro real líquido de IR sobre a inflação será de 3,6% do PIB. Ou seja, o gasto do Tesouro com serviço da dívida pública, que é igual à renda dos rentistas, será de 3,6% do PIB.
Está longe de ser um gasto pequeno, mas está igualmente distante dos valores exorbitantes que se divulgam por aí.
O grande problema é que, exatamente por não ser um gasto decidido pelo Congresso Nacional na forma da lei, há três formas de reduzir essa conta: uma política fiscal conservadora que reduza o juro e o estoque da dívida; aceitar inflação crescente; ou calote explícito.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 27/08/2017
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