Há duas visões rivais sobre um futuro governo Bolsonaro. A primeira está assentada em um argumento institucionalista forte, Linziano, de crise em regimes presidencialistas.
A expressão remete a Juan Linz (1926-2013), para quem este tipo de regime é constitutivamente instável devido a sua inflexibilidade (o presidente tem mandato mesmo quando perde apoio parlamentar) e sua legitimidade dual (presidente e Congresso são eleitos).
O futuro governo representaria nesta visão um “homem forte” que teria fortes incentivos para implementar unilateralmente sua agenda.
Defrontando-se com um Congresso hostil, tentará de forma plebiscitária aprovar sua agenda, deflagrando uma crise constitucional. Sua falta de compromisso com a institucionalidade democrática converteria seu governo numa bomba-relógio.
A segunda visão poderia ser chamada de institucionalista fraca, pós-Linziana, do presidencialismo. Nela a relação Executivo-Legislativo não é um jogo de soma zero: há incentivos sob o presidencialismo para a cooperação porque há ganhos de troca.
Não há necessariamente duas agendas: presidencial e legislativa. Nesta visão o presidente terá incentivos para moderar suas propostas e se engajar em barganhas congressuais, com governadores etc. Mas há uma variável de escolha crítica para o presidente: o estilo de gerenciamento da sua coalizão parlamentar e societal.
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Muita coisa dependerá de como o presidente enxerga sua vitória: o núcleo duro do seu eleitores corresponde a algo como um terço do total, os demais dois terços que o apoiaram o fizeram por rejeição ao seu rival.
A governabilidade dependerá em larga medida desse apoio crítico —“pivotal”— e suas expressões congressuais. Porque as instituições não funcionam em um vazio normativo. Só governos totalitários independem da opinião pública.
O novo presidente governará sob forte constrangimentos: o STF em particular atuará como robusto ator de veto, sobretudo no campo de suas iniciativas comportamentais e institucionais. Assistiremos a sua transformação de “golpista togado” em “garantidor da democracia”: atuará não só unanimemente, mas com apoio social avassalador.
Durante a crise do governo Café Filho, o ministro do STF Nelson Hungria criticou os que pareciam “supor que o Supremo Tribunal, ao invés de um arsenal de livros de direito, dispõe de um arsenal de shrapnel [obuses] e de torpedos”.
Deparando-se com uma “insurreição”, tudo que a corte poderia fazer, assegurava, era inocuamente “expedir mandato para cessá-la”. Na realidade, com apoio massivo da opinião pública, pode muito mais do que isso, como a experiência recente demonstra.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 29/10/2018