A República está confusa, pois está em transição, ou seja, conforme o velho clichê, o velho ainda não morreu, e o novo ainda não é dominante.
O velho é o Estado Desenvolvimentista-inflacionista, e o novo é o setor privado.
Este enredo se chama “destruição criadora”, e não há como escapar.
A confusão aumenta porque a liderança política não parece ter muita compreensão da natureza da transição, mas vamos levando.
A notícia boa é que a maior parte dos economistas não imaginava que o efeito expansionista, psicológico ou fisiológico, dos juros baixos fosse tão forte.
Na verdade, é quase como se fosse uma nova cultura.
Ótimo.
O dinheiro nunca foi barato no Brasil, exceto nos balcões privilegiados dos bancos públicos, ou em linhas especiais, a juros camaradas, para brasileiros especiais. Portanto, essa “novidade” de se tomar dinheiro a menos de 10% ao ano agora está disponível para todos.
É um novo paradigma.
O efeito é semelhante ao do fim da hiperinflação.
Só era possível, naqueles tempos, experimentar a estabilidade se você contasse com doses cavalares de correção monetária.
Mas, subitamente, todos têm acesso ao remédio. O País decidiu ter uma moeda de país sério. Por que mesmo demorou tanto tempo para acontecer?
Pois é. E com os juros, é parecido.
É tão bom poder se endividar sem que isso seja o beijo da morte. Há um efeito riqueza muito positivo (os ativos mais longos ficam mais caros), mudam para melhor os termos de troca entre o presente e o futuro.
Fica enfraquecida a cultura do CDI, o rentismo fica prejudicado. Vamos investir mais, crescer mais, tudo de bom. E a pergunta é a mesma: por que só agora? Se é tão bom, por que demorou tanto a acontecer?
São vários os fatores, todos eles ligados à solidez da moeda nacional, à consolidação institucional da política monetária e da posição do Banco Central. Foi uma longa batalha que começou em 1994, e que quase foi perdida quando Dilma Rousseff contra-atacou com a sua Nova Matriz.
A situação fiscal permanece uma ameaça, a luta contra a esbórnia parnaso-keynesiana continua e, se perdermos, voltamos ao ponto de partida.
Mas estamos progredindo.
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Vamos às más notícias.
Estamos testemunhando uma verdadeira degeneração do setor público no Brasil, pela falência fiscal e financeira do Estado Desenvolvimentista, algo que outrora parecia uma construção divina. Por isso a crise de Estados como Rio de Janeiro, Minas, Rio Grande do Sul e também da União, parece a Queda do Império Romano.
Sim, foram várias invasões bárbaras, pilhagens por todo lado, de tal sorte que as finanças públicas entraram no “modo Chernobyl”.
Não há mais capacidade de cumprir as obrigações e estamos falando não apenas de pagar dívidas – mobiliária, contratual, precatórios –, mas também de pagar fornecedores, servidores e aposentados, para não falar em prestar serviços decentes de saúde, educação e segurança. Tudo está se estragando pelo excesso de despesa, ineficiência e corrupção. E ainda vemos políticos pensando em “recuperar a capacidade de investimento” do Estado, como se Chernobyl pudesse ainda produzir energia depois da explosão de um de seus reatores.
Sim, a explosão de Chernobyl era uma metáfora para o fim de uma Era. A vida não será mais a mesma.
Não vai haver mais investimento público e por três motivos:
(i) acabou o dinheiro;
(ii) a capacidade de execução de obras públicas colapsou, basta olhar a proporção de obras paradas pelos piores motivos; e
(iii) os governantes não querem criar novas estruturas que vão elevar os gastos correntes. Nem de graça, os governadores e prefeitos querem um estádio de futebol, pois a folha cresce…
Portanto, o investimento público tem de (acabar de) morrer para que o investimento privado tome o seu lugar. Esse é o sentido da
História.
Se ajudarmos essa transição, ela será mais rápida e menos custosa, mesmo sem deixar de ser destruição criadora.
Se, todavia, as resistências prevalecerem, vai aumentar a entropia do sistema, a parte radioativa da economia vai contaminar a parte boa. Tomara que não.
Fonte: “O Globo”, 24/11/2019