A ida provável do juiz Sérgio Moro para o Ministério da Justiça, vitaminado com a pasta da Segurança Pública, é consequência natural de seu papel na Operação Lava Jato. Se, como tudo indica, ele aceitar o convite que lhe será feito hoje pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, dará um passo natural na trajetória que o tornou símbolo na luta contra os corruptos.
O combate à corrupção, Moro sabe bem, não é papel exclusivo da Justiça. Envolve mais que investigações, denúncias, condenações ou prisões. O mais importante, algo que o Brasil não fez até agora apesar dos avanços da Lava Jato, são as mudanças em leis e no relacionamento do Estado com o setor privado. Tudo isso cabe à esfera política.
Sem uma solução de natureza política que aperfeiçoe o funcionamento de nossas instituições (entre elas, a própria Justiça), o capitalismo de compadrio voltará a grassar no Brasil. Sem o arado e os fertilizantes institucionais, a erva daninha voltará a crescer sobre o solo abandonado.
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Isso ocorre em virtude não de questões morais, mas da fragilidade institucional para limitar e disciplinar os enormes poderes do Estado, que necessita de obras e investimentos para fazer o país crescer. A corrupção é uma solução para aquilo que os economistas chamam de “problema do compromisso” entre governos e empresas.
Aos governantes, garante investimentos que favorecem o crescimento, que jamais seriam feitos na ausência de segurança jurídica. Aos empresários, garante que seu capital não será expropriado pelo Estados, já que os políticos são transformados em “sócios” de seus empreendimentos (isso é explicado nesta série de posts, de 2015).
Ao deflagrar a Lava Jato, Moro se inspirou na cogênere italiana, a Operação Mãos Limpas. Como na Itália, as investigações provocaram uma devassa nos partidos políticos tradicionais e levaram à eleição de um nome externo ao sistema. A principal bandeira de Bolsonaro foi jamais ter sido citado em nenhuma investigação por corrupção.
Na Itália, contudo, a eleição de Silvio Berlusconi resultou, ao longo dos anos, num ambiente ainda mais propício à corrupção no setor público. “A probabilidade de agentes corruptos terem sucesso em suas transações aumentou. E, se a corrupção é mais segura, há um incentivo maior a praticá-la”, escreveu o cientista político Alberto Vanucci, da Universidade de Pisa, quase 15 anos depois da primeira vitória de Berlusconi, em 1994.
Depois da segunda eleição de Berlusconi, em 2001, o Parlamento adotou 23 medidas legislativas que beneficiaram os corruptos, com nomes sugestivos como “decreto salva-ladrões”, “escudo fiscal”, “lei salva-corruptos” e a anistia que ficou conhecida como “alegria no cárcere” (leia mais aqui). Alguns foram elaborados sob medida para beneficiar o próprio Berlusconi, como a redução na prescrição justamente dos crimes por que ele era investigado pela Mãos Limpas.
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Berlusconi, ao contrário de Bolsonaro, só entrou na política depois que (e, resta pouca dúvida, porque) se tornou alvo das investigações. Vitorioso, como Bolsonaro, tentou convidar para seu ministério o principal protagonista da Mãos Limpas, o juiz Antonio Di Pietro.
Ele resistiu a todas as investidas. As investigações levaram ao interrogatório de Berlusconi no final de 1994, mas Di Pietro decidiu deixar a magistratura antes. O motivo, soube-se depois, eram investigações que alcançavam o próprio Di Pietro.
Com a queda do primeiro governo Berlusconi e afastadas as suspeitas, Di Pietro não resistiu mais ao canto da sereia política. Aceitou em 1996 o convite do premiê Romano Prodi para assumir o Ministério de Obras Púbicas. Teve de renunciar depois de seis meses, pois se tornou alvo de novas investigações. Mais uma vez inocentado, fundou o Itália dos Valores (IdV), partido cujo mote era combater a corrupção.
Como político, Di Pietro jamais teve a expressão que alcançara como juiz em Milão. Foi ministro da Infra-estrutura do segundo governo Prodi, caiu num conflito com o então ministro da Justiça. Ao tornar-se mais uma vez alvo de investigações sobre seu patrimônio e uso privado do fundo partidário, perdeu o comando do IdV. Pouco tempo depois, trocou a política por um canal na internet. Pelo Partido Democrata, tentou se candidatar ao Senado este ano, mas foi rejeitado.
Era previsível (como já escrevi mais de uma vez) que, a exemplo do que aconteceu na Itália, a turma da Lava Jato quisesse entrar na política. Desde o início, contudo, a história da Mãos Limpas tem diferenças para a Lava Jato (como apontei aqui).
Bolsonaro não é Berlusconi. Nosso Congresso não aprovou as medidas contra a corrupção, mas também não pôs em marcha medidas reativas. O Supremo Tribunal Federal (STF) se transformou num campo de batalha entre visões antagônicas sobre o futuro da Lava Jato, que permanece em suspenso.
A Itália, claro, continua a servir de alerta para o Brasil. Moro no ministério da Justiça poderá representar um caminho consistente e promissor para fortalecer nossas instituições contra a corrupção. É o complemento natural a seu trabalho de desbravamento na Operação Lava jato.
Só que ele terá de demonstrar habilidades distintas das que fizeram seu sucesso como juiz. As leis da política são outras. Para Moro, o risco é tornar-se um alvo fácil da oposição e seguir a trajetória fracassada de Di Pietro. Para o Brasil, o risco é a Lava Jato repetir a fracasso da Mãos Limpas na Itália de Berlusconi.
Fonte: “G1”, 01/11/2018