Passado o choque do atentado contra o deputado Jair Bolsonaro, cuja recuperação tem felizmente superado as expectativas dos médicos, as pesquisas Datafolha (hoje) e Ibope deixarão claro que, muito provavelmente, Bolsonaro consolida seu caminho rumo ao Planalto. Na pesquisa do FSB/BTGPactual, ele já subiu de 26% para 30%.
O esperado é que ele se consolide em primeiro lugar nas demais e que, em parte devido ao atentado, tenha caído a rejeição a seu nome, principal empecilho a uma vitória no segundo turno. Antes, ele entraria na disputa final como azarão; agora, é provável que entre como favorito.
O atentado tornou-o ainda mais conhecido em todo o Brasil. A principal deficiência de sua campanha, falta de tempo no horário eleitoral gratuito, passou a ser compensada pela exibição diuturna de seu nome no noticiário nacional, como vítima de um atentado bárbaro, portanto merecedor da simpatia e do voto popular.
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Nem mesmo o PT, que tentava apresentar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como vítima de perseguição da Justiça e hesitava em confirmar a candidatura do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (a confirmação é esperada para até amanhã), tem condição de criar uma narrativa para competir com um ato de violência real, concreto: a facada em seu maior adversário.
Mas atenção: Bolsonaro ser favorito não significa que a eleição esteja ganha para ele. Faltam ainda quatro semanas para o pleito – e o próprio atentado demonstra que ainda pode haver muitas surpresas até lá. Ele enfrentará doravante obstáculos de três tipos.
O primeiro, e mais óbvio, será a própria saúde. Quando sair do hospital, Bolsonaro estará debilitado, impossibilitado de manter a campanha de rua que vinha conduzindo pelo país. O prognóstico de recuperação é positivo, mas imprevisível. Se piorar em vez de melhorar, é natural que isso provoque hesitação nos eleitores.
O segundo obstáculo está na estratégia que seus adversários adotarão para derrotá-lo. Nenhum deles está, hoje, numa situação muito confortável para atacar Bolsonaro. Mas isso não deve perdurar. Dependerá dessa estratégia o êxito na tentativa de derrotá-lo.
Ela será diferente de acordo com o adversário. Para o PT, pouco mudou com o atentado. O objetivo essencial é o mesmo: estancar a sangria nos votos daqueles eleitores identificados com o lulismo e transferir o máximo possível para Haddad.
Tais votos estão concentrados nos estratos mais pobres, menos instruídos e no Nordeste, fatias do eleitorado que se mostravam mais resistentes a Bolsonaro. As pesquisas de hoje e amanhã ajudarão a descobrir até que ponto o atentado melhorou a penetração dele entre esses eleitores – também entre as mulheres, camada em que vinha sofrendo de maior rejeição.
É importante lembrar que o PT continua a ser o partido que desperta maior simpatia entre os brasileiros (é mencionado como preferido por 24%, de acordo com a última sondagem Datafolha divulgada no mês passado). Seu pior momento foram as eleições municipais de 2016, em que somou 6,7% dos votos (dez pontos a menos que em 2012).
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Mas o impeachment de Dilma e a prisão de Lula recuperaram a popularidade petista. O PT continua a dispor da máquina de propaganda com maior capilaridade no país todo. A campanha de Haddad não precisa atacar Bolsonaro para atrair o voto daqueles que, diante da hesitação de Lula, preferem Marina Silva ou Ciro Gomes. Também não precisa insistir na ridícula vitimização de Lula.
Basta espalhar que Haddad trará de volta os bons tempos na economia que fizeram a glória do lulismo. É obviamente uma promessa impossível de cumprir diante da realidade brasileira atual. Mas pode funcionar para levá-lo ao segundo turno. Preservar Bolsonaro também ajuda a garantir que será ele, rival preferido do PT por ser mais fácil de derrotar, o adversário na segunda rodada.
A situação de Ciro e Marina é semelhante. Para eles, mais importante que atacar Bolsonaro, é impedir a transferência de votos de Lula a Haddad. Ciro tem obtido maior sucesso. Adotou como alvo o eleitor mais pobre, a quem prometeu livrar do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). As pesquisas mostrarão se a tática continua a funcionar.
O candidato que enfrenta o maior dilema é Geraldo Alckmin. A fresta que ele tinha para passar ao segundo turno se estreitou com o atentado. Ficou mais difícil atrair o antipetista que poderia trocar Bolsonaro pelo tucano. A forma como tentava fazer isso – atacar o lado violento de Bolsonaro – tornou-se, na hipótese realista, uma estratégia inviável e, na ousada, apenas canalha. Se adotá-la agora, é enorme o risco de que se volte contra o próprio Alckmin.
O último Ibope demonstrava que Bolsonaro começava a perder fôlego. Embora tivesse subido de 20% para 22%, os votos indefinidos se encaminhavam em maior proporção para outros candidatos, tanto que ele sofrera queda de 32% para 30% em votos válidos, ao mesmo tempo que o patamar de brancos, nulos e indefinidos se reduzira a 28%, pouco acima do nível verificado nos últimos pleitos.
O terceiro tipo de obstáculo que Bolsonaro enfrentará está, portanto, nele mesmo: é sua própria campanha. Para vencer, ele precisa convencer um eleitor que, até a semana passada, continuava desconfiado. Mesmo que o atentado o tenha aproximado do coração da população, ser fotografado no hospital fazendo o gesto tradicional de quem empunha uma arma não o ajuda.
Convencer o eleitor resistente implica, para Bolsonaro, dar um passo rumo ao centro, não a um discurso ainda mais radical. Isso vale não apenas para a questão da segurança, mas para tudo o que preocupa os grupos que não se veem representados nele, em especial o feminino.
Bolsonaro precisa lembrar que Lula, outro candidato visto em seu tempo como radical, só foi eleito depois de compromoter-se, na célebre Carta aos Brasileiros, a manter os pilares da política econômica do governo Fernando Henrique, tema em que despertava maior medo.
As fragilidades com que Bolsonaro precisa lidar são de outra natureza. Mas ele não pode continuar a falar apenas para seu público mais fiel, ou elas serão exploradas pelos adversários. Se não agora, com toda certeza no segundo turno. O momento lhe é favorável. Mas ele não pode errar. Depois do atentado, sua vitória depende muito mais de seus prórpios erros que dos acertos dos adversários.
Fonte: “G1”, 10/09/2018