Na tentativa de acabar com a greve dos caminhoneiros, o governo apresentou o tabelamento dos fretes e a criação da conta diesel, com ressarcimentos à Petrobrás e aos importadores. Assim, tira-se dinheiro do Orçamento para subsidiar, com mais de R$ 10 bilhões, o combustível fóssil, rendendo-se aos donos de transportadoras e caminhoneiros, em detrimento da sociedade brasileira. Mergulhamos no túnel do tempo.
A solução transitória deveria ter sido o estabelecimento de um gatilho para o reajuste de preços da gasolina e do diesel. Esse gatilho consistiria em uma variação de preços de (+/-) 2% e a periodicidade dos ajustes dependeria desse acúmulo, e não do tempo.
A fixação de períodos longos para ajustes de preços pode gerar distorções, a começar pela logística, e prejudicar a Petrobrás que, dependendo do comportamento do preço do barril e da taxa de câmbio, poderá se tornar novamente a única importadora. Os consumidores poderão sofrer com grandes aumentos represados ao longo do tempo. Deve-se levar em conta o fato de que estes níveis de aumentos/reduções não podem ser indutores de janelas de importações, outra forma de distorção do mercado.
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É importante ressaltar que o gatilho só seria aplicado aos preços nas refinarias, que funcionam num regime de monopólio, não cabendo discutir a precificação dos segmentos distribuição e revenda, que estão em mercados de concorrência. Essa proposta seria benéfica para a Petrobrás e importadores por contribuir para a manutenção da competitividade no mercado de combustíveis. E, para o consumidor final, as vantagens seriam a previsibilidade e a redução do impacto da volatilidade do preço internacional dos combustíveis sobre o preço na bomba.
Nesse período de transição seriam importantes a aceleração do processo de privatização das refinarias e a entrada em vigor do imposto regulatório, como premissa para finalizar os reajustes de preços por meio do gatilho.
A solução definitiva deveria ser a criação de um imposto regulatório flexível, que originaria um Fundo de Estabilização dos Preços. O objetivo é não repassar ao consumidor a volatilidade do petróleo no mercado internacional nem, tampouco, da taxa de câmbio.
Os produtores teriam a liberdade de fixar seus preços, seguindo a tendência do mercado internacional e sem controle da periodicidade. Dependendo do comportamento do preço do barril no mercado internacional e, mesmo, da taxa de câmbio, o ajuste se faria com a redução ou alta do imposto regulatório flexível e não via preço.
Para garantir a arrecadação federal necessária, com repartição do risco de preço entre os vários participantes do mercado, seria criada uma Contribuição sobre Combustíveis (CSC), um imposto flexível, que seria calculada por uma conta gráfica.
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Uma das vantagens da proposta é o afastamento de um possível controle de preços ou mesmo um congelamento. Outro benefício está no fato de a conta gráfica ser sobre a arrecadação do governo, e não sobre o preço do combustível. O imposto flexível na gasolina, especificamente, é importante para a competitividade do etanol, pois qualquer alteração no preço da gasolina exige cuidado com o impacto disso sobre o etanol. Ainda, a proposta vai ao encontro de uma demanda da sociedade, claramente exposta na greve, por tributos justos, eficientes e ambientalmente corretos. E, ao adotar esse novo imposto, o governo acenaria nesta direção.
A efetividade dessa solução definitiva passa pela privatização das refinarias, sendo necessário o fim do monopólio no refino, logística e infraestrutura. Além disso, essa nova proposta não elimina os riscos de preço para o consumidor final, refinaria ou governo. O risco passa a ser dividido, com um bom nível de previsibilidade para o Tesouro. É bom lembrar que o imposto flex existe em lugares onde prevalecem as regras de mercado na formação dos preços, a exemplo dos países europeus, e funciona muito bem por lá, há anos.
Fonte: “Estadão”, 30/06/2018