Recentemente, em reunião com jornalistas e executivos do “Grupo Rede Amazônica”, fiz o seguinte comentário: “Um fenômeno chegará ao poder. Sem partido, sem dinheiro, sem mídia, sem tempo de televisão e confinado ao quarto de um hospital”. Pois bem, amigo leitor, o candidato azarão, quase folclórico, subirá a rampa do Palácio do Planalto na abertura de 2019.
Muitos são os recados dessa eleição disruptiva: partidos tradicionais, velhos caciques da política, gurus do marketing e alguns jornalistas, habituados ao conforto das jogadas previsíveis, estão nocauteados.
As mídias sociais, mola propulsora da candidatura de Jair Bolsonaro, podem ser a alavanca para um renovado jornalismo de qualidade. As pautas não estão dentro das redações ou escondidas nas nossas idiossincrasias ideológicas. Elas estão quicando nas ruas, no rosto das pessoas, no fascínio do cotidiano.
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Sentir o cheiro da notícia. Persegui-la. Buscar novas fontes e encaixar as peças de um enorme quebra-cabeça para apresentá-lo o mais completo possível. Dentre as competências necessárias para exercer um bom jornalismo, algumas parecem ser inatas e, por mais que se tente aprender, inútil será o esforço. É assim o tal “faro jornalístico”. Uma capacidade quase inexplicável que alguns profissionais possuem de descobrir histórias inéditas, de furar a concorrência e manter pulsando a certeza de que é possível produzir conteúdo de qualidade que sirva ao interesse público.
O que quero é acrescentar um aspecto que julgo importante nesta discussão: na era digital, a intuição pode e deve ser apoiada pelos números.
Realidades que pareciam alheias aos negócios da mídia estão cada vez mais próximas dos veículos. É o caso do big data. A cada dia os acessos digitais aos portais de notícias geram quantidades incríveis de dados sobre o comportamento de nossas audiências, mas ainda não fomos capazes de enxergar o potencial que há por trás desta montanha de informação desestruturada. Nas redações brasileiras multiplicam-se as telas coloridas que trazem, minuto a minuto, indicadores e gráficos mirabolantes. Ao final de um dia de trabalho, qualquer editor está habilitado a responder quais foram as reportagens mais lidas. Mas e depois disso? Continuamos incapazes de interpretar adequadamente todas essas cifras e utilizá-las a favor do bom jornalismo.
Tenho a frequente oportunidade de conversar com executivos e gestores de veículos de comunicação, todos eles responsáveis pelo processo de transição digital em suas empresas. Vindos de diferentes estados brasileiros e de alguns países da América Latina, se reúnem em São Paulo para o programa Estratégias Digitais para Empresas de Mídia, iniciativa que dirijo no ISE Business School.
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Todos eles estão desejosos de encontrar novos caminhos de monetização. Em sala de aula cresce a certeza de que as verbas publicitárias não retornarão aos níveis de antigamente e, portanto, os ingressos deverão ser alavancados prioritariamente por meio do conteúdo digital. Como tarefa de casa, levam um desafio nada fácil: olhar para a cobertura de seus veículos e questionar-se se há valor diferencial naquilo que estão entregando aos seus consumidores. Sabem que se a resposta for negativa poucas serão as possibilidades de monetizar esse conteúdo. Afinal, ninguém pagará por aquilo que pode encontrar de forma similar e gratuita na rede.
Recebem também a missão de colocar a audiência no centro do processo. Já não basta mais que definamos nós o que precisam os consumidores de informação. É preciso ouvir o que eles têm a dizer.
Sou otimista em relação ao futuro das empresas de comunicação, mas não deixo de considerar que o renascer do nosso setor será resultado de um doloroso processo. Passará pela construção de uma identidade editorial sólida, com apoio da tecnologia que permita escutar a voz dos consumidores. Mas, antes de tudo, exigirá uma boa dose de audácia para dinamitar antigos processos e modelos mentais que, até este momento, vêm freando as tentativas de inovação.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 04/11/2018