Se tributo constitui uma indispensável intervenção do Estado, que contrapõe o interesse público à liberdade individual, evitá-lo ou reduzi-lo pode ser um valioso instrumento à disposição dos entes tributantes (países, Estados e municípios) para fomentar o desenvolvimento.
É nessa perspectiva que devem ser entendidos incentivos fiscais motivados pelos interesses de um país, no contexto da competição internacional, ou pela pretensão, no âmbito de uma jurisdição nacional, de corrigir desigualdades regionais de renda.
A fixação de regras, por meio de tratados internacionais ou de legislações nacionais, delimita a possibilidade de utilização de tributos na atração de investimentos ou para evitar que se relocalizem. Configura-se, nessas circunstâncias, a competição fiscal lícita, que é tão antiga quanto a história dos impostos.
A prática da competição fiscal lícita pode, sem dúvida, não corresponder ao melhor padrão de eficiência econômica.
No caso dos incentivos fiscais regionais, o que prevalece, todavia, é a unidade nacional, cuja relevância é igual ou superior à da eficiência econômica.
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No Brasil, a correção das abissais desigualdades regionais converteu-se, a propósito, em um dos objetivos fundamentais da República (artigo 3.º, III, da Constituição) e constitui critério, também constitucional, para a partilha de rendas e a alocação de recursos orçamentários.
Alguns dos que se opõem à concessão de incentivos fiscais, com aquela finalidade, alegam que seria preferível recorrer-se ao gasto público. É uma ideia generosa, porém ingênua.
As experiências de enfrentamento das desigualdades regionais, centradas apenas em gastos públicos diretos, se revelaram poucos eficazes, tanto no exterior (por exemplo, os programas da Tennessee Valley Authority, nos EUA, ou da Cassa per il Mezzogiorno, no sul da Itália) quanto no Brasil (Sudene, Sudam). No máximo, constituem ações suplementares. Infelizmente, inexiste, nas regiões mais desenvolvidas do País, um comprometimento real com a redução das disparidades regionais de renda, vista quase como um objetivo excêntrico.
É nesse contexto que prospera a resistência à concessão de incentivos fiscais do ICMS, em oposição ao que se encontra expressamente previsto no texto constitucional (artigo 155, parágrafo 2.º, XII, g).
A resistência também se revela mediante defesa de um vetusto e perigoso clichê: o princípio do destino, consistindo na opção pela alíquota zero nas operações interestaduais do ICMS.
É óbvio que, nessa hipótese, não existiriam incentivos, porque são fundados estritamente em reconhecimento, no destino, de créditos não integralmente recolhidos na origem, tal como ocorre em relação ao Imposto de Renda entre países (cláusula de tax sparing). Trata-se, tão somente, de uma forma dissimulada de se opor à concessão de incentivos do ICMS.
Se a competição fiscal lícita é inerente à história dos impostos, a ilícita (guerra fiscal) tem natureza francamente predatória.
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A Lei Complementar n.º 160/2017, apesar de suas imperfeições, ofereceu um roteiro para resolução da guerra fiscal do ICMS. O processo tem se revelado lento, mas é consistente.
Malgrado o instrumento próprio ser a lei ordinária, aquela lei complementar acolheu normas de caráter interpretativo (artigos 9.º e 10.º), que proclamaram o óbvio: não há incidência de tributos federais sobre incentivos fiscais do ICMS.
Se incidência houvesse, a União estaria se apropriando de renúncia fiscal dos Estados, o que corresponderia a uma abstrusa partilha de renda sem previsão constitucional.
É desarrazoado, por conseguinte, falar-se em renúncia fiscal da União, seja porque o conceito é inaplicável, pois se trata de mera interpretação legal, não havendo sequer incidência, seja porque se ela existisse anularia, ao menos em parte, o propósito do incentivo estadual, gerando despropositado conflito federativo.
Esse entendimento, aliás, vem sendo sancionado em vários acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça. Mais uma vez, inauguramos uma falsa controvérsia.
Fonte: 05/07/2018