O governo Jair Bolsonaro começará assombrado por duas incógnitas imediatas. Mais urgentes que acordos sobre clima e migração, que a influência partidária nas escolas ou aparições em goiabeiras. A primeira é o dinheiro suspeito na conta de Fabrício Queiroz, amigo e ex-assessor do filho de Bolsonaro. A segunda é a reforma da Previdência.
Queiroz, motorista de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, movimentou, segundo o Coaf, R$ 1,2 milhão em um ano, valor incompatível com seu salário de servidor público. Um dos cheques foi parar na conta da mulher de Bolsonaro.
Bolsonaro afirmou que era o pagamento de uma dívida e comprometeu-se a reparar qualquer erro que tivesse cometido. Demorou a falar no assunto, como reconheceu ontem o próprio vice-presidente eleito, Hamilton Mourão. Só convenceu os já convencidos, a legião de acólitos fieis das redes sociais.
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Será um erro grave julgar que os brasileiros que o elegeram, confiantes no discurso de combate à corrupção, se darão por satisfeitos caso não haja uma investigação exemplar do caso, cujas características lembram vários esquemas de desvio de dinheiro público.
Ao contrário do que Mourão afirmou, o assunto não morreu. Voltará a assombrar Bolsonaro à medida que as investigações produzirem novas revelações. Se não se desvencilhar rapidamente dessa assombração, ela poderá atrapalhar o andamento da agenda do futuro governo.
O principal item dessa agenda é a segunda incógnita: a reforma da Previdência. Que tipo de mudança legal será proposta? Em que será diferente da emenda já desidratada do governo Michel Temer, hoje parada na Câmara? Como Bolsonaro obterá apoio no Congresso (em especial no Senado) para fazer passar sua reforma?
Toda emenda constitucional exige aprovação de três quintos das duas Casas legislativas em duas votações. Mesmo supondo que Bolsonaro arregimente uma maioria sólida na Câmara, basta o voto de 33 dos 81 senadores para derrubar qualquer proposta. O núcleo duro da oposição, representado por PT, PSB, PDT e outros partidos menores, soma 20. Mais 13, e a reforma naufraga.
Não é um cenário improvável. Toda mudança nas regras previdenciárias desperta resistências corporativas representadas no Congresso. Mexer em pensões e aposentadorias, mesmo com todos os cuidados, é sempre uma causa impopular. Não é um acaso que o governo Michel Temer tenha empacado na Previdência.
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Sem a reforma, contudo, a situação das contas públicas se tornará dramática. Basta olhar as últimas previsões do ministério da Fazenda para constatar que o país quebraria em dois anos, a economia soçobraria, e o governo nem poderia sonhar com reeleição.
Como os efeitos da reforma não são imediatos, o cálculo político associado a ela é perverso. Não interessa ao governo gastar o capital conquistado nas urnas imediatamente numa causa tão impopular, cujo resultado demoraria a se fazer notar. Daí as declarações ambíguas sobre o assunto, tanto de Bolsonaro quanto de seus filhos
Novamente, será uma decepção para os brasileiros que votaram nele para desfazer as mazelas petistas e acabar com a esbórnia fiscal, aqueles que confiaram na escolha do liberal Paulo Guedes para o ministério da Fazenda e esperam reformas profundas no Estado brasileiro.
Bolsonaro ainda poderá se livrar de ambas as assombrações. Basta assumir o protagonismo. Precisa exigir celeridade nas investigações sobre Queiroz dos órgãos responsáveis, subordinados a seu ministro da Justiça, Sérgio Moro. Em vez de declarações inócuas, seu filho Flávio precisa colaborar prestando todo tipo de informação a respeito das atividades de Queiroz. Seria bom que o Brasil soubesse que história “plausível” ele lhe contou.
No caso da Previdência, é preciso parar de tergiversar. Que Bolsonaro ponha logo sua força política para aprovar o texto já em andamento na Câmara, que já atravessou todo o caminho pedregoso das comissões e foi desidratado o bastante para satisfazer a demandas diversas.
Seus assessores e economistas poderão ter ideias bem melhores. Mas dificilmente se chegará a consenso político melhor que aquele. Uma nova reforma só representará perda de tempo e agravamento da crise fiscal, cujo preço o próprio governo acabará por ter de pagar.
Fonte: “G1”, 14/12/2018