O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro aposentado Ayres Brito, pensa que a polêmica em torno do indulto presidencial dá-se por uma falha conceitual do governo, que “não está entendendo bem o instituto jurídico do indulto”.
A delicadeza com que Ayres Brito se refere ao que seria “um engano” do governo de Michel Temer, que por sinal é um constitucionalista e certamente sabe o que pode ou não fazer, se transforma em crítica mordaz quando diz: “Assim como o Rei Midas tornava ouro tudo o que tocava, a Constituição torna especialmente relevante tudo a que se refere”.
Ele cita como ilustração o combate à improbidade administrativa (art. 5°, XXXVIII, art. 15, V, art. 37, parágrafo 4°), à corrupção, à fraude e ao abuso do poder econômico (art. 14, parágrafo 10°), ao racismo e ao terrorismo (art. 4° e 5°, incisos XLII e XLII). “Tudo a constituir uma específica ou focada política pública diretamente constitucional de saneamento dos nossos costumes e de combate ao crime”, que seriam “hipóteses logicamente pré-excludentes da aplicação do indulto”.
Ayres Brito adverte que, debaixo do chamado princípio da razoabilidade, não é possível uma lei falar mais alto que a Constituição, “mesmo que também a lei pode consubstanciar uma política pública de combate mais severo a determinadas condutas”.
Portanto, diz Ayres Brito, o indulto “não pode ser usado como política pública de contraponto a ponderações especiais que a Constituição e a lei já fizeram para mais fortemente inibir e sucessivamente castigar certas condutas”. Sob pena de a Constituição e as leis darem com uma das mãos, e o Presidente da República tomar com a outra, ironiza Ayres Brito.
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A caixa-preta
O julgamento de hoje do Supremo Tribunal Federal (STF), portanto, sobre a capacidade de o presidente da República ter carta branca para definir as regras do indulto de Natal, é fundamental para que o combate à corrupção continue exitoso, especialmente contra os crimes cometidos por membros do que se estipulou chamar de “colarinhos brancos” – empresários, políticos, profissionais liberais -, geralmente os mais protegidos pela interpretação benevolente da legislação em vigor.
Por isso, não apenas o presidente Temer está atuando junto ao Supremo para ver mantida sua tese, consubstanciada no decreto editado em 2017, de que o indulto e a comutação de penas devem ser ampliados por questões humanitárias, e também para desafogar o sistema penitenciário. Um exemplo dessa generosidade presidencial é o tempo mínimo da pena para os suscetíveis ao indulto, que já foi mais de 12 anos, foi diminuindo até que, com Temer, deixou de existir. Isto é, todos os condenados estão aptos a serem indultados pela graça presidencial.
Na mesma linha, um grupo de parlamentares envolvidos nas investigações da Lava Jato pressiona o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para votar, no último mês de funcionamento deste Congresso, projetos que alteram as regras de execução penal no Brasil, afrouxando a punição a diversos crimes, incluindo os de “colarinho branco”.
Um deles antecipa a soltura de presos em penitenciárias superlotadas, outro exige sentença judicial para falta grave do preso, o que, para o futuro ministro da Justiça Sérgio Moro “pode levar anos”. Moro também disse que não se combate o crime soltando presos devido à superlotação dos presídios.
Este é mais um round da luta contra a corrupção no país, e os parlamentares voltaram a se movimentar depois que Moro foi escolhido ministro da Justiça de Bolsonaro, com poderes ampliados. Ele prepara uma série de medidas a serem apresentadas ao Congresso logo no início da legislatura, e espera vê-las aprovadas. “Talvez seja ingenuidade minha, mas acho que os parlamentares entenderam o recado das urnas”.
Fonte: “O Globo”, 28/11/2018