Vinte de Março de 2019. Chego para ocupar meu lugar em minha “baia”, num amplo território ocupado por outras tantas “baias”. Sugiro aos mais jovens verificar os sentidos do termo “baia” num bom dicionário de português brasileiro. Até hoje me aborreço por ocupar uma “baia”.
No noticiário do dia, o centro das atenções foi a viagem de meu superior hierárquico aos EUA. Uma viagem que deveria ser como outra qualquer, mas que se travestiu de duplo sentido em função da visão de mundo de quem avalia a viagem. De tudo que vi e li, nada ocorreu de tão diferente das viagens anteriores: declarações de boas intenções e de um jogo de ganha-ganha mediante algumas concessões de cada lado. A vida é assim na maior parte das vezes.
Percorrendo os olhos nos grandes diários da imprensa nacional, uma notícia prendeu minha atenção e causou-me espanto: “Brasileiros nunca foram tão infelizes, diz estudo”!
Pensei, ironicamente: como nós – o país do futuro, o país da população não-violenta, cordial, mas que é um dos seis países que concentra a maior quantidade de mortes por ferimento por armas de fogo, apesar do fracassado desarmamento oficial/legal – podemos estar tão infelizes?
Curioso e com certa prática e expectativa, obtive o relatório final do estudo que mostra que nós, brasileiros, do carnaval, samba, Rio, Salvador, estamos tristíssimos. Fiz uma cópia do World Happinnes Report (WHR) 2019, elaborado pelo mundialmente renomado Gallup Institute.
Quantificar qualidades para poder mensurar objetivamente o que é subjetivo é um desafio de diversos campos, desde a psicologia (onde me graduei), passando pela política e pela economia. No entanto, o ser humano é um ser de qualidades, de intangibilidades que interagem com o tangível. À máxima “instituições importam” é possível agregar que a auto-percepção consciente de se estar ou não feliz num determinado macro-contexto também importa.
Em parte do estudo, seus autores afirmam: “Governments set the institutional and policy framework in which individuals, businesses and governments themselves operate. The links between the government and happiness operate in both directions: what governments do affects happiness, and in turn the happiness of citizens in most countries determines what kind of governments they support”. Sentir-se feliz num determinado contexto econômico e social é parte do fundamento da tão perseguida “legitimidade”. Atributo que, como apontou O´Connor (The Fiscal crisis of the state) já em 1970, muitíssimos governos e aparatos governamentais (regras e tecnocratas concretos), carecem.
No WHR 2019, felicidade é quantificada como função de oito variáveis (indicadores, preditores): renda (pib per capita em dólares); expectativa de vida saudável ao nascer; rede de suporte social (se você tiver algum problema, você tem amigos/familiares que podem te ajudar?); liberdade para fazer escolhas (você está satisfeito com a liberdade de escolha que há em sua vida?); generosidade/caridade; percepção de corrupção na sociedade; afeto positivo (você estava se sentindo feliz ontem?); afeto negativo (você estava aborrecido, com raiva ou doente ontem?).
O resultado da pesquisa mundial permitiu a construção de um ranking de países onde seus residentes são os mais felizes a partir da combinação das variáveis acima apontadas. Os vinte primeiros países com maior “felicidade” são apresentados abaixo.
Tabela 1. Ranking dos 20 países mais bem posicionados no WHR 2019.
O Brasil ocupa a posição 32. Estamos a frente de países como Uruguai (33), Itália (36), Japão (58), Portugal (66), China (93) e Venezuela (108). Além dos países apresentados na tabela acima, destaco que França (24) e Arábia Saudita (28) estão um pouco melhor posicionados neste ranking.
Na pesquisa sobre felicidade publicada pelo Gallup em 2012, o Brasil ocupava a 25ª posição, estando atrás da Venezuela (19ª) e na frente da Alemanha (30ª). Será a felicidade da época ainda reverberação da alta dosagem de dinheiro circulante devido à alta dos preços do petróleo e do minério de ferro no mercado mundial e hoje vivemos a ressaca advinda da embriaguez pregressa, como diria Hayek?
Independente das reflexões acerca das causas dessas mudanças em nossa auto-percepção de felicidade, há um fenômeno recorrente, que apontei em dois artigos publicados pelo Instituto Millenium em 2018: a relação entre felicidade, bem-estar, desenvolvimento humano e liberdade econômica. A tabela 2 apresenta lista de países conforme seus posicionamentos em rankings diversos e pertencimento à OCDE.
Tabela 2. Lista dos 20 países melhor posicionados no WHR 2019 e posições em rankings de liberdade econômica, IDH e pertencimento à OCDE.
Fonte: produção própria, 2019.
A – Posição no WHR 2019
B – Posição no Índice de Liberdade Econômica do Heritage institute 2019
C – Posição no Índice de Liberdade Econômica do Fraser Institute 2018
D – Posição na atualização do IDH 2018 (PNUD/ONU)
E – Membro da OCDE ?
O WHR 2019 contém análises sobre diversos aspectos dessa percepção global de felicidade. Uma das conclusões dos autores é que há uma certa dinâmica, uma certa onda de infelicidade global, que é derivada das incertezas envolvendo a confiança nas decisões das lideranças políticas (governos e tecnocratas) e no volume (e credibilidade/veracidade) das informações que circulam na Grande Rede. Eu acrescentaria que o histórico do estudo demonstra que liberdade econômica (menos governo, mais indivíduos) é uma das dimensões de nossa felicidade. Pertencer à OCDE é um incentivo à liberdade, não um ônus como tudo indica.