Sempre que a reforma previdenciária entra na agenda nacional, surgem sugestões para que o governo se empenhe em favor de uma reforma “verdadeira”, “radical” e “profunda” da Previdência. A ideia é que uma mudança parcial representaria uma espécie de “remendo” do sistema, que não evitaria ter que voltar a fazer novas mudanças no futuro, ao passo que uma mudança feita para o sistema “começar do zero” resolveria de vez o problema.
A alternativa seria adotar alguma modalidade do chamado sistema de “capitalização”. Como é que este funcionaria? Ele operaria como uma aplicação em contas individuais, com saldos que se acumulariam na fase ativa da pessoa, para depois serem objeto de saques na fase de usufruto dos benefícios. O pressuposto é que, como ocorre com uma aplicação normal no sistema financeiro, o rendimento pode ser bom – ou não.
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Esse é justamente o ponto principal: quem tem renda mensal de R$ 10 mil, R$ 20 mil ou R$ 100 mil entende e aceita que, em momentos de instabilidade, uma aplicação pode sofrer perdas. A pergunta relevante é: qual é a linha de corte para definir que o cidadão tem que estar consciente de que, se o rendimento não tiver sido bom, a sua aposentadoria será prejudicada por isso? Se uma pessoa com salário de R$ 30 mil aplica sua poupança num PGBL de perfil agressivo e este não rende bem, o governo não tem nada com tal fato e o participante tem que estar ciente dos riscos que corre. Será que cabe o mesmo raciocínio no caso de alguém que ganha R$ 2.500 por mês? Tenho dúvidas a respeito.
No Texto para Discussão 121 do BNDES, em co-autoria com Otávio Sidone, “A reforma previdenciária e o teto do Regime Geral da Previdência Social (RGPS)” de janeiro de 2018, fornecemos algumas pistas para a discussão acerca dos efeitos de uma reforma que mudasse o teto do INSS, atualmente definido em R$ 5.645,61. Nele consta uma tabela similar à que aparece neste texto, tendo me limitado aqui a atualizar as informações para o mês de setembro de 2018.
Há consenso de que alguém que ganha um salário mínimo (SM) não tem as características que o tornariam um candidato a ingressar no sistema de capitalização. Ao mesmo tempo, há também consenso entre os especialistas de que o teto do INSS, de quase 6 SM, é elevado para os parâmetros de renda do país, comparativamente a outros países. Reduzir o teto para 5 SM praticamente não mudaria nada. É válido concluir que, se o país migrasse para a capitalização, uma “linha de corte” razoável seria em torno de um nível de R$ 3 mil, ou seja, em torno de 3 SM (hoje, R$ 2.862).
O grande problema fiscal da mudança para a capitalização é o custo da transição, uma vez que, pelo fato dos beneficiados continuarem a ser pagos, ao mesmo tempo em que as receitas de contribuição migram do INSS para as contas individuais, o déficit público aumentaria muito inicialmente, algo que no momento é impensável.
Uma forma de lidar com o problema é definir que a mudança vale só para quem entra no sistema a partir de uma data. Como quem entra pesa pouco em relação ao conjunto de pessoas que já está nele, a perda inicial de receita é bem menor e vai sendo absorvida com o passar do tempo.
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Mesmo assim, há questões que devem ficar claras – e para isso a tabela é útil. Imaginemos que a capitalização já estivesse vigente para quem ganha mais de 3 SM. Quanto a menos gastaria o INSS? A resposta é um pouco frustrante. Atualmente, 10% dos beneficiários do RGPS recebem benefícios acima de 3 SM e respondem por 25% da despesa do INSS. O problema é que quem ganha, por exemplo, R$ 3.400 não receberia toda a aposentadoria do fundo de pensão e sim seria objeto de dois pagamentos: um do INSS até 3 SM e outro, desse fundo, no valor da diferença entre esse teto e o valor pelo qual teria contribuído. Quando se leva isso em conta, conclui-se que se o sistema estivesse operando hoje com um teto de 3 SM (repita-se, R$ 2.862) o INSS pouparia apenas 6 % do que gasta.
Ou seja, se a reforma tivesse sido aprovada no passado, o INSS continuaria gastando 8 % do PIB! A pergunta é se, nesse caso, justifica-se mudar a natureza do sistema. Não tenho claro isso. Ainda que seja possível adotar um modelo misto, com algum ingrediente de capitalização, a conclusão é que o componente chave da reforma precisa ser, claramente, uma mudança paramétrica.
Fonte: “Valor Econômico”, 05/12/2018