Tudo o que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, diz, ou até mesmo o que não diz, mas acham que ele pensa, está automaticamente errado. Na visão de quem emite certificados de “bom” ou “ruim” no Brasil de hoje, esse Weintraub não acerta uma, em nenhum assunto, da formação do buraco negro à escalação do time do Corinthians; seja lá o que ele disser, sobre uma coisa ou outra, vão dizer que é bobagem. É a vida. O homem faz parte da turma que defende a “escola sem partido” — a maior ameaça que a direita oferece hoje ao país, na opinião do ex-ministro José Dirceu, atual inquilino do sistema prisional brasileiro. Quem está deste lado, portanto, pode esquecer qualquer esperança de ser ouvido com seriedade pelo Serviço Nacional de Vigilância à Virtude que fiscaliza cada passo dos ocupantes de cargos públicos neste país, ou mesmo de quem não ocupa cargo nenhum. Tudo bem: não está claro, até hoje, se esses julgamentos têm alguma relevância de ordem prática. Mas talvez possa ser útil deixar registrado, em algum lugar, que o ministro está certo quando diz que o ângulo reto tem 45 graus, ou outras coisas assim — porque, com certeza, vão lhe dizer que ele errou de novo.
Acaba de acontecer, mais uma vez. “Está cheio de doutor desempregado por aí, mas é difícil ter um bom encanador passando fome ou na fila do Bolsa Família”, disse Weintraub outro dia. Disse também que um bom eletricista “consegue se virar”, e outras coisas desse tipo. O que o ministro poderia dizer de mais certo do que isso? Na verdade, é uma das melhores afirmações que fez em público desde que assumiu o cargo — e ficaria melhor ainda se tivesse tido tempo para acrescentar que também não existe carpinteiro desempregado no Brasil de hoje, não no Brasil de verdade onde há gente que sabe e quer trabalhar. Da mesma forma, também não existe armador, bombeiro, pintor, ladrilhista ou pedreiro de acabamento sem emprego, e mais os praticantes de uma penca de ofícios na construção civil. Mestre de obras, então, é bicho raríssimo. Quer dizer que ser encanador é melhor que ser advogado, filósofo ou cientista social no Brasil atual? A pergunta é boba. Não é melhor nem pior — é apenas a constatação objetiva de que um trabalhador manual especializado tem emprego quase certo, e os formados em faculdades descoladas da vida real não têm. Que faculdades são essas? As que não oferecem aos seus alunos os conhecimentos exigidos pelos sistemas de produção hoje em operação no país — a “economia”, como se diz. Ou, mais precisamente, não ensinam aquilo que a sociedade brasileira está precisando, ou querendo.
Mais de J. R. Guzzo
Mundo das coisas
Salvem a ciência
Pense um pouco
O ministro falou que a sua meta é aumentar em 80% o número de alunos nos cursos de ensino técnico até o final deste governo. Isso, em si, não quer dizer nada. Meta de governo é miragem — e miragem só se desfaz quando deixa de ser miragem, ou seja, quando a conversa acaba e aparece a obra. O poder público brasileiro, como se sabe desde 1.500, é ruim na fase da execução — na fase de falar em “metas” é um espetáculo, mas na hora de entregar o resultado está em geral fechando a raia. No caso, se o Ministério da Educação fizer metade do que promete, já estará muito bom. Se não fizer, será um fracasso. Qual dos dois vai ser? Nem Deus sabe. O que se sabe é que não adianta nada ficar gastando bilhões em dinheiro público para formar farmacêuticos que vão ser balconistas de farmácia ou advogados que acabam como motoristas de Uber. Países justos e bem-sucedidos são os que utilizam o dinheiro dos impostos para formar os melhores, e não para formar muitos.
Fonte: “Veja”, 11/10/2019