Talvez seja uma boa coisa para todos, neste começo de ano, que ninguém esteja ouvindo falar em algum tipo de “política social” em vias de preparação no governo, ou ao seu redor. Deveria, segundo as doutrinas e teorias que nos propõem uma vida de virtudes, ser o contrário: afinal, um país com a pilha de problemas sociais que o Brasil carrega nas costas teria de ter, forçosamente, “políticas sociais” para melhorar sua posição na tabela do campeonato mundial do bem-estar geral. Deveria ser assim, de fato, mas na prática é o contrário. Quando você ouve que “alguém tem de fazer alguma coisa” a respeito de um problema, mas não lhe dizem exatamente o que deve ser feito, por quem, como e quando, e sobretudo com quais recursos, pode ter certeza: na melhor das hipóteses fica tudo igual, e na maioria das vezes piora.
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Nada houve de mais falso, no Brasil contemporâneo, do que o “avanço social” trazido pela era Lula-Dilma para “os mais pobres”. Tornou-se uma verdade praticamente científica, pela soma de mentira e preguiça de pensar, a ideia de que o País foi um oásis de progressismo num mundo em estado de coma. “Falem o que quiserem do Lula, mas uma coisa ninguém pode negar: o homem fez um grande programa social”– eis uma sentença que se ouve em quase todos os santuários do saber nacional há quase 20 anos. Repete-se, na mesma linha, que tantos e tantos milhões de brasileiros foram “resgatados da pobreza”, que as desigualdades foram reduzidas, que os pobres passaram a “andar de avião” e por aí afora. Mas não é nada disso, ou quase nada. Os “mais pobres”, salvo por intervenção sobrenatural, só têm uma possibilidade – só uma, não duas – de ficarem menos pobres: com o crescimento rápido e em grande escala da economia. Isso, muito simplesmente, não aconteceu no Brasil. O resto é sócio-empulhação em estado puro.
O que os fatos mostram é o seguinte: entre 2003 e 2010, ou seja, em plena “época de ouro” social, a economia do Brasil cresceu 4% ao ano, o que é vendido como um fenômeno jamais visto antes na história deste País. Só que os outros países da América Latina, no mesmo período, cresceram exatamente a mesma coisa – ou até um pouquinho mais, 4,1%. O resto do mundo, incluindo a África e o pacote inteiro de países que vão do pobre ao miserável, cresceu 4,2%. Onde está, então, esse extraordinário avanço do Brasil? Uma coisa é certa: ele não estava acontecendo na época em que dizem que aconteceu, nem no ritmo em que deveria ter acontecido, e nem aqui. Para completar, isso aí é o máximo que se conseguiu. De 2010 a 2014, aí já com a colaboração da presidente Dilma Rousseff, o crescimento do Brasil despencou para a metade – ficou pouco acima de 2% ao ano. Em 2015, enfim, veio o horror explícito: em vez de aumento, mesmo uma mixaria de aumento, queda de quase 4% e a maior recessão da história.
O resto da “política social” progressista é o que se sabe. Ao longo dos governos do PT, entre 2003 e 2015, os gastos do governo com a folha de pagamento do funcionalismo triplicaram. O número de funcionários aumentou em 35%, e os aumentos salariais, nas faixas mais amigas, chegaram a passar dos 250%. Os banqueiros, por conta do aumento do “gasto público”, tiveram os maiores lucros da história. Houve uma espetacular distribuição de renda, com números também inéditos, para empreiteiras de obras, empresários escolhidos para a função de “campeões” e fornecedores de estatais. Os programas de “ajuda ao estudante” encheram com dinheiro público o bolso dos donos de faculdades particulares, e por aí vamos.
Ainda bem que deram um tempo na política social.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 5/1/2020