Educadores e economistas concordam num ponto: uma política adequada para a Primeira Infância constitui condição necessária – embora não suficiente – para assegurar a todos os cidadãos condições de igualdade de acesso e progresso no ensino fundamental e, a partir daí, sucesso na escola e na vida. O tema é especialmente pertinente ao Brasil, tendo em vista o elevado número de crianças que nascem e crescem em condições de pobreza e de extrema violência. Se quisermos assegurar igualdade de oportunidades, a pré-escola já é tarde. Talvez até a creche já seja tarde.
Embora as evidências sobre o tema sejam abundantes, poucos países têm políticas integradas e adequadas de Primeira Infância. As razões são várias e fáceis de compreender. Uma delas é a dificuldade que governos têm de integrar políticas – é muito mais fácil implementar políticas setoriais ou programas avulsos. E dada a extensão da demanda, é difícil calibrar e focalizar politicas. Mas isso não resolve o problema, especialmente o das crianças mais pobres.
No Brasil, o que temos na prática são quatro conjuntos principais de mecanismos: uma rede de proteção social ancorada em politicas compensatórias, como o Bolsa Família, e em mecanismos de assistência social; políticas de saúde de cunho universalista, mas de implementação precária; políticas de educação focadas em creches (não obrigatória) e pré-escola (universal e obrigatória); e, mais recentemente, o Programa Criança Feliz.
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Políticas como o Bolsa Família têm provado seu benefício, e existem instrumentos e mecanismos que permitem aprimorá-las; creches e pré-escolas no Brasil não demonstraram que podem fazer diferença no desempenho escolar posterior dos alunos, especialmente os mais pobres; as políticas de saúde têm produzido alguns avanços importantes, mas na área da Primeira Infância ainda estão engatinhando. E o Programa Criança Feliz – de feliz concepção – ainda precisa deslanchar, adquirir escala e comprovar resultados.
Mas nada disso configura uma Política Integrada de Primeira Infância. No limite, uma Política Integrada de Primeira Infância deveria ter como ambição o que o Prêmio Nobel Heckman chama de “assegurar condições básicas de desenvolvimento para todas as crianças, independentemente das condições impostas pela loteria de seu nascimento” – ou seja, da condição socioeconômica dos pais. No Brasil, teríamos que acrescentar “protegendo-as dos ambientes de violência doméstica e externa”, que ameaçam as bases de um desenvolvimento saudável. Uma segunda característica das boas práticas indica que políticas eficazes de Primeira Infância devem ter o foco na família – e não (apenas) na criança -, oferecendo opções adequadas às circunstâncias de cada um, em contraposição a soluções uniformes.
De modo particular, o modelo sugerido para o atendimento em creches, no país, está se mostrando caro, inócuo e inviável. De um lado, permanece na legislação federal e nos códigos municipais de postura o espírito das ordenações filipinas, estabelecendo regras inviáveis de serem cumpridas. Por outro lado, a BNCC – Base Nacional Curricular Comum – ignora os avanços científicos na área e pode se constituir num entrave ao avanço do setor nos próximos anos. E não existe espaço e incentivos para propostas de formação adequada para educadores infantis ou para pais (o nome da moda é “parentalidade”).
Resta, portanto, a pergunta aos candidatos: dado o que sabemos sobre o potencial da Primeira Infância e a importância de políticas adequadas de Primeira Infância para a formação do estoque de capital humano de um país, e dadas as inadequações dos modelos de atendimento existentes, quais são as suas propostas?
Fonte: “Veja”, 17/07/2018