Racionalmente, sei que não vale a pena gastar energia para tentar o rumo das eleições. Ainda assim, um ato de fé no brasileiro me faz acreditar que dá para evitar o pior: um segundo turno entre Haddad e Bolsonaro. Isso seria especialmente violento, permeado por boataria e notícias falsas. Promoveria o esgarçamento dos laços sociais e familiares e envolveria dois lados que, em suas palavras e seus atos, não demonstram apreço pela democracia.
Não pretendo dizer a ninguém em quem votar. Quero apenas fazer um raciocínio estratégico e mostrar o óbvio: se você quer, acima de tudo, evitar Bolsonaro, não vote em Haddad. E se você quer, acima de tudo, evitar o PT, não vote em Bolsonaro.
O medo, o ódio e o ressentimento nos levam a decisões ruins. Vemos José Dirceu falando em tomada do poder fora das urnas, em tolher o Ministério Público e o STF. A reação automática de muitos é querer o inimigo mais bombástico do PT: Bolsonaro. Mas será que ele tem as melhores condições de vencer o PT? Vamos considerar dois cenários.
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No primeiro, o segundo turno é entre Bolsonaro e Haddad. Nesse caso, Bolsonaro receberia o voto de quem votou nele no primeiro turno, mais os votos de quem escolheu Álvaro Dias e uma boa parte de João Amoedo e Meirelles. Os eleitores de Alckmin se dividiriam, segundo estimativa do Datafolha, quase que igualmente entre Haddad e Bolsonaro. Haddad, por sua vez, ficaria com praticamente todos os votos que foram para Marina e Ciro Gomes, mais a metade de Alckmin.
Agora vamos considerar o segundo turno entre Haddad e Alckmin. As coisas mudam: Alckmin, além de todos os seus votos próprios, terá todos os votos que foram para Bolsonaro (eles podem detestar o tucano, mas certamente o preferirão ao PT), assim como os de Amoedo, Meirelles e Alvaro Dias e ainda uma parcela dos votos de Marina e Ciro Gomes — gente de esquerda que não quer o PT mas que jamais votaria em Bolsonaro. Não dá para garantir que Alckmin vença, mas é certo que ele irá melhor no segundo turno do Bolsonaro.
O mesmo vale, na esquerda, para Haddad e Ciro Gomes. A rejeição de Ciro entre todos os eleitores da direita e de centro é menor do que a de Haddad. Então Ciro terá, assim como Haddad, o voto da esquerda, além de mais votos do centro e da direita.
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Com Marina isso se dá para ambos os lados. As pesquisas curiosamente indicam uma enorme rejeição a ela, mas isso deve ser mais sintoma de uma má vontade presente e não um reflexo fiel do voto caso ela chegue no segundo turno. Afinal, contra Haddad, é evidente que todo mundo que votou em candidatos de direita votará nela (melhor do que deixar o PT voltar!). Contra Bolsonaro, ela leva todos os votos da esquerda (por mais que os partidos de esquerda a acusem de traidora, o eleitor de esquerda preferirá colocá-la no poder do que entregá-lo ao Bolsonaro).
Quem domina o centro, vence. Estamos nos encaminhando para um segundo turno entre as duas figuras mais polarizadoras da campanha. Além de ser ruim para o governo futuro — que terá forte oposição a tudo que fizer — e de ser um risco para a democracia, é também uma escolha irracional por parte dos eleitores. Não deixemos a irracionalidade vencer. Ainda dá tempo!
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 02/10/2018