Cada vez mais os momentos cruciais de nossa vida social se dão no Supremo Tribunal Federal, acompanhado por todo o Brasil na TV Justiça. A votação do habeas corpus do Lula foi, evidentemente, um desses momentos.
Sem me ater à tecnicalidade jurídica da decisão – sobre a qual existe clara divergência no meio; o que indica que o mero saber técnico não é suficiente para resolver a questão -, mas pensando em efeito institucional, a vitória da prisão em segunda instância é um sucesso.
Em primeiro lugar porque diminui o risco de impunidade à corrupção e ao crime de colarinho branco de maneira geral. Enquanto cidadãos pobres amargam na prisão mesmo antes de serem julgados, criminosos ricos contam com uma série de privilégios e maneiras de escapar da prisão, por exemplo adiando a pena com recursos infindáveis. Com a reafirmação do entendimento que vale desde 2016 (e que valia até 2009), a impunidade perdeu um pouco de seu espaço. Isso é positivo.
Leia mais
Merval Pereira: Vitória da coerência
Leandro Narloch: O que os ministros do Supremo realmente querem dizer quando dizem…
Fernando Schuler: O que irá acontecer se Lula perder no Supremo? Nada
Também é positivo que o Brasil seja capaz de manter uma mesma regra por um período maior, dando mais estabilidade jurídica para o país.
Por fim, e mais importante, o nosso Judiciário mostrou-se acima da classe política e dos interesses de um cidadão específico, que muitos gostariam de colocar acima da lei. Que a rediscussão da prisão em segunda instância tenha como ocasião o habeas corpus de Lula é um casuísmo evidente. Havia aqueles que, para salvá-lo, gostariam de mudar o entendimento da lei.
Apesar da vitória pontual, assistimos um processo perigoso em nossa sociedade, de transferência do poder para o Judiciário. E isso começa já pelo simples fato das sessões do Supremo serem filmadas e transmitidas. Ninguém é igual perante uma câmera; muito menos quando essa câmera te coloca frente a frente com milhões de brasileiros que esperam de você uma decisão importante.
Hoje em dia a presão “das ruas” é vista como algo virtuoso. Neste caso, de fato, o resultado querido “pelas ruas” era também o melhor para o Brasil e o mais justo. Mas nem sempre é assim. A sanha de punição e vingança da população não pode ser um elemento na decisão de nossa Corte suprema, que deve acima de tudo zelar pela lei (mesmo quando impopular) e garantir o direito de todos.
Não há motivo para transmitir as votações do STF outro que a espetacularização – e politização – da Justiça. Quem se interessa pelas decisões, que consulte os autos. A torcida não fica melhor informada ao assistir os 11 ministros pela TV, e sem dúvida alguma os votos de quase uma hora são uma forma de entretenimento muito inferior à Copa do Mundo.
Fonte: “Exame”, 05/04/2018