O governo desistiu da reforma da Previdência, a reforma essencial. Faltou apoio político e sobrou oportunismo. Supostamente tentarão de novo em 2018. Difícil acreditar no sucesso.
É verdade que alguns setores e partidos políticos se destacaram positivamente. O PPS, de Roberto Freire, um partido de esquerda não aliado ao governo, havia fechado questão para a aprovação da reforma, por reconhecer sua importância. Parte do setor privado também se mobilizava. Segundo o Estado, representantes da construção civil, do setor químico e de máquinas buscavam convencer parlamentares a votarem a favor da reforma. A CNI teria engrossado a fila.
Muitos outros foram na direção contrária. Aquilo que deveria ser responsabilidade compartilhada de todos, no caso reformas estruturais para reduzir o risco fiscal e promover o crescimento, acabou sendo oportunidade para a pressão de grupos de interesse em busca de vantagens.
Leia mais:
Alexandre Schwartsman: Se gasto público gerasse crescimento, o Brasil seria uma nação próspera
Reforma ataca os privilégios e as fontes da desigualdade social
As medidas tramitando no Congresso neste final de ano vêm desenterrando fantasmas: políticas públicas que lembram o período da presidente Dilma Rousseff. Novamente, bancadas setoriais e estaduais vêm conseguindo vitórias que aumentam o risco fiscal e geram distorções no sistema produtivo. É uma lista sem fim.
As lições dos últimos anos não foram aprendidas? Os incentivos à indústria deixaram elevado passivo fiscal e não funcionaram. A produção industrial afundou. As regras frouxas que estimularam os gastos de Estados e municípios geraram o descontrole das finanças públicas, para prejuízo da sociedade.
A bancada ruralista destaca-se pelas vitórias no Congresso.
São pelo menos 120 deputados federais votando consistentemente a favor dos ruralistas, ou 23% dos 513 deputados. Enquanto isso, a agropecuária responde por 5% do PIB e 10% dos empregos.
Segundo a Instituição Fiscal Independente, 2% do Orçamento federal é direcionado para o setor produtivo, o que equivale a 0,5% do PIB, sendo que a agricultura consumiu 78% desses recursos em 2016. Há também renúncias tributárias, totalizando 2,2% do PIB, sendo que 18% vão para a agricultura. Isso em um contexto da mais baixa carga tributária dentre todos os setores: 6,3% na agropecuária contra o outro extremo de 47,4% na indústria, segundo a Firjan.
No cômputo geral, foram R$ 49,4 bilhões (29% do total de recursos) direcionados para a agricultura em 2016. Os serviços ficaram com R$ 79,2 bilhões (47%) e a indústria (inclui o setor de energia), R$ 41,7 bilhões (24%), sendo a participação no PIB de 72% e 23% (média 2012-16), respectivamente.
Neste final de ano, duas medidas se destacam. O RenovaBio (estímulo para a produção de etanol por meio de emissão de crédito de descarbonização pelo produtor de biocombustível, cuja demanda será garantida por conta obrigatoriedade de aquisição pelos distribuidores) foi aprovado. O Refis do Fundo de Assistência do Trabalhador – Funrural (inclui a renegociação de débitos rurais, reduz alíquotas de contribuição e flexibiliza regras para a cobrança débitos inscritos na dívida ativa da União) avança rapidamente, devendo gerar renúncia de R$ 15 bilhões.
Atender a interesses localizados pode acabar prejudicando todo o setor. Vide o que ocorreu com a indústria no governo Dilma.
Estados e municípios também estão sendo contemplados. Há o projeto que permite o uso de royalties do petróleo como garantia de operações de crédito; a PEC que estende em quatro anos o prazo para quitação de precatórios e aumenta o limite para saque de depósitos judiciais; e a possibilidade de securitização de ativos (venda de créditos a receber no mercado financeiro). Tudo sem contrapartida de reformas fiscais.
Há outras medidas preocupantes, como a lei que autoriza o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) a capitalizar a Caixa via empréstimo perpétuo e o refinanciamento de dívidas de micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional.
O comportamento oportunista de alguns poderá estimular o mesmo de todos os demais, gerando grande retrocesso na agenda econômica e dificultando ainda mais o avanço de reformas fiscais.
Fonte: “Estadão”, 14/12/2017
No Comment! Be the first one.