Dos comentários a propósito da coluna da semana passada, um merece atenção especial por colocar questão-chave: os jornalistas podem ou devem tomar partido? Podem ou devem escolher um lado?
Eis o ponto levantado pelo leitor, a propósito das entrevistas do “JN”: quando o entrevistado era Alckmin, os âncoras contestaram o caráter ético da grande aliança formada pelo candidato, perguntando que transações havia feito para sustentar tal base. Já quando o candidato não tinha essa base, continua nosso leitor, os entrevistadores perguntavam como ele poderia fazer reformas sem amplo apoio no Congresso.
E conclui o leitor: “o jornalista, para ser levado a sério, deveria decidir antes qual das duas posições é a correta. Se vale a pena ter base de apoio, cabia parabenizar Alckmin. Se não, parabenizar os outros. Pau nuns, e pau no outro é falta de critério”.
É critério jornalístico. Trata-se de questionar cada candidato sobre suas ideias, seus planos, seu passado. Não se trata de aderir ou não a um programa, de parabenizar ou dar pau. Se o candidato monta uma determinada aliança e se propõe a governar com ela, cabe, sim, perguntar sobre a natureza ética e política da base.
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Inversamente, se o candidato a presidente, com base política restrita, faz um monte de promessas, cabe perguntar como espera conseguir a aprovação do Congresso.
Nas entrevistas do JN, a pergunta sobre falta de alianças foi feita a Ciro. Dada a dificuldade do candidato em negociar uma chapa eleitoral mais ampla, inclusive por conta de seu temperamento, cabia perguntar como ele pretenderia formar uma aliança de governo.
A entrevista não pode ser propaganda. Não se trata de exibir o programa do candidato, mas de tentar mostrar ao público como ele é – pelo que fala e disse, pelo que faz e fez, com quem anda e com quem não anda.
Se o candidato promete ética e tem pessoas acusadas de corrupção entre seus aliados, esse é até um tema óbvio da entrevista; se outro promete reformas constitucionais, que exigem ampla maioria no Congresso, é obrigatório questionar sua capacidade de aprová-las.
Tudo considerado, a resposta às perguntas colocadas no primeiro parágrafo resulta evidente: não, o jornalista não deve tomar partido nem escolher lado quando faz reportagens e entrevistas.
Jornalistas e os veículos de mídia que assumem um programa partidário, político ou religioso ou ambos, estão fora do campo da imprensa livre e independente.
A situação é diferente quando se trata das páginas de opinião e editoriais. Um veículo, no seu editorial e avisando isso para seu público, pode dizer que considera tal candidato o mais adequado. Jornais americanos costumam fazer isso. Já nos veículos Globo, não se faz.
Um comentarista pode e deve sustentar teses, um determinado projeto para o país. Por exemplo: o Brasil não tem futuro se não for feito um ajuste consistente nas contas públicas, com reforma da Previdência. Também poderia, usando o mesmo critério do editorial, apoiar um determinado candidato.
Mas não deve, nem precisa. Sustentando um projeto, uma ideia de país, o comentarista já oferece ao público os dados para que este entenda e selecione este ou aquele candidato.
Comentaristas americanos e europeus endossam candidatos. Nos veículos Globo, isso não é permitido.
Mas se jornalistas não podem ter programa, devem ter princípios: liberdade, democracia, oportunidades iguais, independência.
Há sutilezas, claro. Por exemplo: é possível demonstrar por um mais um que o Estado brasileiro está falido e que déficits frequentes empobrecem o país e a população. Mas como arrumar as contas públicas? Quais gastos cortar? Onde gastar mais? Quais impostos eliminar? Quais introduzir? Quem paga a conta? Aqui já se trata de opção política.
No caso, o papel do jornalista é mostrar qual é a opção, os fatos e números e, sempre, questionar, duvidar, importunar. E, de novo, o público escolhe — onde vai se informar e em quem vai votar.
Fonte: “O Globo”, 13/09/2018