Não é de hoje que há críticas pelo fato de o mesmo juiz, no caso Sérgio Moro, controlar as investigações, como na Operação Lava-Jato, e julgar os processos, dando a sentença final.
Não é uma criação nem de Moro nem dos procuradores de Curitiba. É assim que funciona qualquer força-tarefa no Brasil, de acordo com o nosso Código de Processo Penal, ao contrário de outros países, como a Itália, ou países na América Latina, como México e Chile.
Eles têm a figura do “juiz de instrução” ou “juiz das garantias”, que atua apenas na fase inicial das investigações, autorizando ou impedindo ações como quebra de sigilo e interceptações telefônicas, depoimentos e prisões preventivas.
Nenhuma ação dos procuradores do Ministério Público nem da Polícia Federal pode ser feita sem uma autorização do juiz de instrução, que não participa, por impedimento legal das investigações, mas as controla.
Por isso Moro disse, logo no primeiro momento da divulgação de suas conversas com o procurador Deltan Dallagnol, que apenas combinou com os Procuradores as etapas das operações que tinham que ser autorizadas por ele, questões logísticas e exigências legais, como formalização de atos.
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O que está em jogo
A Vara de Moro existe desde 2003 quando foi criada por recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para combater os crimes financeiros. Somente em 2014 a Força-Tarefa da Lava-Jato foi criada, por decisão da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Também a Polícia Federal criou uma força-tarefa própria, que foi esvaziada no governo Temer a ponto de hoje só existir um policial dedicado exclusivamente à Lava-Jato. Quem organizou a Força-Tarefa do Ministério Público foi o procurador Deltan Dallagnol, que já trabalhara com o juiz Moro no caso Banestado, no início dos anos 2000.
O procurador integrou a Força-Tarefa que fez, em 2003, a primeira denúncia contra o doleiro Alberto Youssef. Ao formar o grupo que trabalharia na Lava-Jato, Dallagnol chamou o procurador Carlos Fernando de Souza, que também fez parte do caso Banestado, e outros procuradores com experiência em investigação de crimes do colarinho branco.
Dallagnol e Moro, portanto, se conhecem há 15 anos, e o papel de cada um sempre foi bem definido: o MP propõe medidas, e o juiz as aceita ou não. Para isso, tem que conversar, saber se é a melhor hora para fazer tal ação, se é possível atender aos pedidos dos procuradores e da Polícia Federal, se está bem embasado o pedido de prisão, autorizar quebra de sigilo.
Há uma proposta para a adoção do “juiz de garantias” no Congresso, em tramitação desde 2010, e provavelmente o caso das conversas reveladas pelo Intercept vai apressar uma decisão favorável.
Em todas as conversas reveladas pelo hackeamento do celular do procurador Deltan Dallagnol não há um só momento em que se flagre uma combinação entre ele e Moro para prejudicar o ex-presidente Lula ou outro investigado qualquer.
O fato de o Intercept ter publicado o que diz ser a íntegra das conversas ajudou a confirmar a percepção de que os dois só têm conversas a respeito de procedimentos, e o que parece uma participação indevida do juiz Moro, na verdade é a discussão de decisões sobre as investigações, ou a comunicação de uma testemunha que havia revelado um crime.
Mesmo as conversas entre os dois, que não são diretamente ligadas a casos específicos, são sobre o combate à corrupção, e como ela está arraigada na sociedade brasileira. Afinal, a Força-Tarefa da Lava-Jato existe para isso.
O hoje ministro Sérgio Moro continua o mais popular do governo Bolsonaro, apesar de algumas pesquisas mostrarem queda de popularidade.
A criação da figura do “juiz de garantias”, por outro lado, não é incontroversa. O Instituto dos Advogados do Brasil, por exemplo, é contrário. Diz um parecer do IAB: “Na prática, juízes, em razão da liderança funcional na condução de inquéritos, acabam por exercer atividades policiais e, com o tempo, tornam-se vítimas do fenômeno da “policização”, invertendo, muitas das vezes, seus originários e nobres objetivos”.
Fonte: “O Globo”, 14/06/2019