O momento é de apreensão por conta das incertezas decorrentes da epidemia de coronavírus. Não há, no momento, como afirmar quando será o ápice da crise, para podermos dizer que o pior já passou.
Como agravante, o timing da epidemia não é nada favorável, pois o comércio mundial está encolhendo desde o ano passado, por conta, principalmente, das políticas protecionistas dos países. O foco da crise, a China, representa hoje mais de 20% do PIB mundial, e a expectativa de uma desaceleração econômica suave caducou. Estivesse a economia mundial em melhor forma, seria mais fácil dirimir as incertezas.
Adicionalmente, os países, com poucas exceções, não contam com muitos instrumentos para mitigar o impacto da crise. Além dos juros já muito baixos, poucos têm espaço para expansão fiscal, diante dos déficits e dívidas elevados. Exageros na expansão dos gastos públicos podem até piorar o quadro econômico, ao despertar a desconfiança de credores. Além disso, não é qualquer expansão fiscal que funcionaria. O momento pede políticas sanitárias e para ampliar o acesso da população aos serviços de saúde, e não o aumento indiscriminado de gastos.
No caso dos EUA, o Fed resolveu cortar a taxa básica de juros para 1,0-1,25% em reunião extraordinária de seu comitê de política monetária, alegando a necessidade de um ação preventiva por conta da epidemia. A preocupação é bastante compreensível, mas essa decisão em um quadro de incertezas e indefinição sobre o impacto da epidemia sugere uma sensibilidade exagerada do Fed à piora no mercado financeiro.
O contágio financeiro sobre o setor produtivo, se relevante, precisa ser mitigado. As empresas poderão enfrentar problemas financeiros, em caso de uma paralisia da economia, mas está cedo para este diagnóstico. E se ocorrer, a indicação seria mais por injeção de liquidez ou relaxamento regulatório para empréstimos. Juros baixos, mesmo próximos de zero, não seriam muito eficazes para ativar o crédito nessas circunstâncias.
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Finalmente, o choque do coronavírus é, por ora, um choque mais de oferta (afeta o funcionamento das empresas por falta de insumos), do que de demanda (mais localizado em atividades relacionadas ao fluxo de pessoas entre países), ainda que o este último possa aumentar. E o corte de juros se refere a um estímulo à demanda, e não à oferta.
Entendo que seria o momento de aguardar por mais informações sobre o impacto da epidemia, antes de os bancos centrais cortarem as taxas de juros. E convém guardar munição caso se confirmem as perspectivas mais pessimistas, com contágio relevante na demanda.
No Brasil, vale a mesma reflexão. Ainda não se sabe se o efeito da crise será inflacionário ou desinflacionário: se a alta do dólar e a retração da oferta de alguns bens terão maior impacto nos preços do que a queda dos preços de commodities e o recuo do consumo (menos provável) e das exportações.
O Banco Central, a julgar pelo seu comunicado de terça-feira, já tem a resposta ao afirmar: “À luz dos eventos recentes, o impacto sobre a economia brasileira proveniente da desaceleração global tende a dominar uma eventual deterioração nos preços de ativos financeiros.” Foi um sinal claro para os mercados que haverá um corte da taxa Selic na próxima reunião do Copom.
Parece uma avaliação precipitada. E considerando que os juros reais estão em patamares bastante baixos, não haveria razão para tanta pressa.
Se o Banco Central estiver errado – e não saberemos isso tão rapidamente –, a consequência será uma necessária correção de rumos antes do esperado, gerando uma volatilidade indesejada nos juros.
De qualquer forma, não será a taxa de juros baixa que trará a volta do investimento produtivo – praticamente estagnado em 2019 – e protegerá o Pais do contágio. É querer demais da política monetária. O que fará diferença será o avanço das reformas. A letargia do governo e os ruídos constantes atrapalham bastante.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 5/3/2020