A Câmara discutiu ontem, em audiência pública, a proposta que trata do descontrole das dívidas dos consumidores – os chamados superendividados. A proposta em debate é de origem do Senado e cria regras para concessão de crédito, por meio de mecanismos de prevenção ao endividamento excessivo. O texto foi elaborado por uma comissão especial de juristas, responsável pela modernização do Código de Defesa do Consumidor.
“São mais de 60% de famílias endividadas e quase 30% (60 milhões) de brasileiros em situação de inadimplência. Não é pouca coisa para que o Congresso possa deixar de lado o assunto. É preciso que a legislação coloque freios no oferecimento de crédito de maneira irresponsável por bancos e empresas que têm lucros aviltantes com o descontrole financeiro de famílias, principalmente com consumidores idosos através dos já conhecidos empréstimos consignados”, diz Lillian Salgado, presidente do Instituto de Defesa Coletiva (IDC), que vai participar do debate.
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Que me desculpem as Suas Excelências, mas eles não foram eleitos para isso. Foram eleitos para fiscalizar o endividamento dos governos (o que poucos deles fazem, a ponto de a dívida pública hoje estar beirando 100% do PIB), não o dos cidadãos. A base do capitalismo liberal é, antes de tudo, a responsabilidade irrestrita do indivíduo sobre os próprios atos, desde que esses atos sejam livres e voluntários. Tudo bem que uma velhinha de oitenta anos possa ser ludibriada pela lábia de um gerente esperto que lhe venda um plano de previdência do qual ela jamais chegará a beneficiar-se, mas essas exceções fraudulentas devem ser tratadas pela justiça comum, não por leis específicas do Congresso.
Se o banco dá crédito a quem não tem perfil, cadastro ou garantias reais a oferecer, está assumindo um grande risco. Não tem porque a justiça interferir ou o Estado salvá-lo em caso de perda. Para o outro lado, vale a mesma regra. A liberdade em geral, e a liberdade econômica em particular, não pressupõe que o indivíduo vá tomar sempre as decisões corretas. O erro faz parte da vida. Um pai que não dê chance ao filho para que este cometa os seus próprios erros não está criando um homem, mas um parasita.
Esse furor regulatório com o endividamento das famílias não é novo. Em 2011, uma norma para o uso dos cartões de crédito estabeleceu pagamentos mínimos das faturas. Na mesma época, o governo proibiu a contratação de empréstimos consignados cujas prestações comprometam mais de 40% do salário ou aposentadoria. Resumo da ópera: nem mais decidir o quanto nos endividar podemos.
Sempre sob a surrada – e não menos arrogante – alegação de que não temos capacidade e juízo para cuidar dos próprios interesses e administrar nossos desejos e necessidades, a nossa legislação civil vem aumentando frequentemente essas aberrações. Não é por acaso que somos os campeões mundiais de normais legais e infralegais de natureza econômica.
A síntese desse pensamento mágico é a seguinte: as pessoas são incapazes de saber o que é melhor para elas e o governo deve, portanto, protegê-las de si mesmas, bem como da ganância e da esperteza de banqueiros e comerciantes. Somente o governo é sábio. Os cidadãos são seres fracos, burros e sem juízo, que devem ser eternamente tutelados para que não se machuquem ou façam bobagens.
Como ensinou Milton Friedman, em seu fenomenal “Capitalism & Freedom”, o principal defeito dessas propostas é que, a pretexto de promover um suposto interesse geral, forçam os indivíduos a agir contra os próprios interesses. São medidas legais tão autoritárias quanto absurdas, pois pretendem proteger as pessoas de si mesmas – ou resolver supostos conflitos de interesse – não pelo estabelecimento de mecanismos para persuadir os homens a fazer opções diversas das originais, mas simplesmente forçando-os a agir contra o que seriam as suas escolhas se livremente pudessem optar. Em outras palavras, tais medidas simplesmente substituem os valores e desejos dos interessados pelos dos sábios e puros agentes públicos.
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Além de essencialmente iliberal, essa visão está em frontal oposição com aquela que Adam Smith identificou como uma das mais fortes e criativas forças geradoras de prosperidade – a busca contínua e incessante de milhões de indivíduos em promover os respectivos interesses, vivendo suas vidas de acordo com os próprios valores e desejos.
Ademais, o problema principal não reside na nossa própria cobiça ou na esperteza dos outros, como alega a especialista acima. A questão está em como nos proteger da cobiça, da esperteza e dos demais vícios morais daqueles que fazem e executam as leis, monopolistas que são do uso da força.