Quando governantes, políticos ou juízes mandam mensagens em que minimizam a importância da vida ou da integridade física de adversários, eles dão aos cidadãos uma velada licença para matar.
Não é por acaso que em sociedades polarizadas ocorrem ataques com vítimas logo após líderes populistas usarem em comícios eufemismos sobre a necessidade de se enfrentar até o fim seus oponentes ou minorias a eles associadas.
Episódios como o que vivemos no Brasil, a exemplo do assassinato da vereadora Marielle Franco, ou os ataques a bomba no Texas contra cidadãos negros tornam-se ainda mais terríveis por terem sido precedidos e seguidos de uma validação de malfeitos contra aqueles por quem se nutrem preconceitos ou de quem se discorda politicamente.
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Essa validação ocorre, em especial, por meio de uma fala em que direitos humanos deveriam ser reservados apenas a alguns, os assim chamados “homens de bem”.
Nesse sentido, não poderia ser mais atual o livro do psicólogo cognitivista Steven Pinker, “Enlightenment Now”, sobre a importância de se retomar alguns dos valores do Iluminismo, como o humanismo.
Esses ideais, aponta o autor, estariam agora particularmente ameaçados por visões contra as quais sempre teve que lutar, como a lealdade cega à tribo (real ou virtual) ou a culpabilização do outro, caracterizado como “malfeitor” pelos infortúnios sofridos.
De fato, o humanismo ou qualquer forma de defesa da nossa condição humana compartilhada —noção que foi construída a duras penas e vários revezes ao longo dos últimos dois séculos— sofre hoje riscos importantes. Mas a consciência do problema vem também, felizmente, crescendo, com recomendações de condutas inclusive para a educação das novas gerações.
Não é à toa que, ao detalhar os objetivos do desenvolvimento sustentável, a ONU incluiu o conceito de cidadania global, que se traduz em uma forte defesa da tolerância, respeito mútuo e construção da paz.
Pesquisadores de educação vêm pregando o ensino de cidadania global em todas as escolas —um deles, Fernando Reimers, de Harvard, faz isso no livro recém-traduzido para o português “Empoderar Crianças e Jovens para a Cidadania Global”.
Organizações como a OCDE passaram a introduzir em suas recomendações de currículo o ensino de valores e atitudes, em particular o comportamento ético, o respeito à vida e à diversidade e a solidariedade.
No entanto, essa tarefa se tornará extremamente difícil se os adultos que deveriam inspirar os mais jovens não forem mobilizados por valores humanos e julgarem legítimo desqualificar adversários, mesmo que já mortos, com calúnias e impropérios.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 23/03/2018